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Sorocabano é a vítima mais jovem da ditadura
29 de janeiro de 1970, quinta-feira. Há 54 anos
Ver Sorocaba/SP em 1970
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O caminhoneiro Waldomiro Dias Baptista sempre colocava um retrato no bolso do paletó antes de sair de casa. O ritual era uma tentativa de encontrar o garoto de 15 anos de idade presente na fotografia, de porte físico atarracado e cabelos penteados para o lado.

A imagem continha o rosto de seu filho, o sorocabano Marcos Antônio Dias Batista, reconhecido pelo governo brasileiro como o mais jovem desaparecido político do regime militar no País. O estudante, militante da Frente Revolucionária Estudantil, vinculada à Vanguarda Armada Revolucionária (VAR) Palmares, foi visto pela última vez entre março e maio de 1970 no norte de Goiás- atual estado do Tocantins. Os seus restos mortais nunca foram encontrados.

O nome de Marcos Antônio é um dos 362 que integram a lista oficial da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos. O sumiço do estudante ocorreu há 44 anos e até hoje o governo federal não conseguiu responder três perguntas à família: a data precisa do desaparecimento, a causa da morte e a localização do corpo.

As circunstâncias do desaparecimento são relacionadas à participação de Marcos Antônio na VAR Palmares pelos lados do Centro-Oeste do País. A organização guerrilheira, considerada de extrema esquerda, era formada por vários grupos de resistência ao regime. Um dos seus integrantes foi a atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff. O objetivo era combater o sistema vigente, com simples contestações verbais até a utilização de táticas de guerrilha, que incluíam sequestros e assaltos.

O sumiço de Marcos Antônio, que sonhava com uma revolução socialista, transformou a vida de seus pais em uma busca incansável por respostas. Waldomiro Dias Baptista, nascido em Salto de Pirapora, e Maria de Campos Baptista viajaram por todos os cantos do País na tentativa de encontrar alguma notícia relacionada ao estudante.

Percorreram presídios de Goiânia, Brasília e Juiz de Fora, para onde eram levados presos políticos. Tentaram localizá-lo inclusive fora do Brasil. Com a Lei da Anistia, em 1979, recepcionaram exilados em saguões de aeroportos na esperança de revê-lo.

O patriarca da família chegou a visitar Porto Velho, capital de Rondônia, pois soube que um padre da cidade havia abrigado um rapaz com o mesmo nome. Ao chegar lá, descobriu que a pessoa em questão não tinha as características físicas de seu filho.

Waldomiro morreu atropelado em 1992, aos 86 anos, sem ter notícias de Marcos Antônio. A assistente social Maria de Campos prosseguiu a busca pelo filho. Em 15 de fevereiro de 2006, ela teve um encontro com o então ministro da Defesa e vice-presidente da República, José Alencar. A audiência ocorreu por meio de uma decisão judicial e serviu para a família pedir mais empenho nas investigações.

Após a reunião em Brasília, Maria de Campos seguiu de carro rumo a Goiânia. No trajeto, o veículo se envolveu em um acidente na BR-060. A batida provocou a morte da mãe de Marcos Antônio, aos 78 anos de idade, e encerrou uma luta de mais de três décadas pela verdade.

Militância

Marcos Antônio iniciou a militância em 1968, na capital de Goiás, junto com um de seus irmãos, Waldomiro Antônio de Campos Batista, o Mirinho- quatro anos mais velho. A decisão ocorreu em um momento considerado como o catalisador das manifestações de rua contra o regime autoritário.

Esse despertar aconteceu em 28 de março do mesmo ano com o assassinato do jovem Edson Luiz de Lima Souto, 16, morto no Rio de Janeiro com um tiro no peito por policiais militares após um protesto pela má qualidade da alimentação fornecida pelo restaurante universitário Calabouço - subsidiado pelo governo - aos estudantes.

Logo Marcos Antônio entrou para a clandestinidade, graças ao cerco feito pela repressão. Adotou os codinomes Miguel e Claudio, que aparecem juntamente com o seu nome verdadeiro em um edital publicado em 25 de julho de 1972 no Diário Oficial do Estado de Goiás e nos jornais O Popular e Folha de Goiaz.

O documento é assinado por José Xavier do Bonfim, chefe do setor de Ordem Política e Social da Divisão de Polícia Federal de Goiás, vinculado ao Ministério da Justiça. O texto revela um inquérito policial instaurado para apurar crimes praticados contra a segurança nacional e exige o comparecimento do estudante sorocabano à repartição no prazo de dez dias. O curioso é que Marcos Antônio estava desaparecido havia dois anos.

Mirinho, hoje com 63 anos, lembra com detalhes os últimos encontros com Marcos Antônio ocorridos em 1970. O também integrante da VAR Palmares morava em um aparelho situado na 409 superquadra sul de Brasília, na clandestinagem. Foi a um ponto com Helvécio Ratton (que em 1995 dirigiu o filme O menino maluquinho), cujo codinome era Clemente, e soube que o irmão mais novo estava na cidade.

Outro ponto foi marcado na W3 Sul, em frente ao prédio da Rádio Nacional. Para a surpresa de Mirinho, quem apareceu foi Marcos Antônio. "Ele (Marcos Antônio) falou que o Clemente tinha lhe dado o ponto para o encontro comigo. Disse estar sem dinheiro e precisava arrumar algum lugar para dormir", comenta. "Eu respondi que em casa não dava, pois se a polícia chegasse prenderia os dois." O destino foi a residência do então vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Honestino Guimarães.

Em 29 de janeiro de 1970, Mirinho foi surpreendido com um som do lado de fora do seu apartamento. Pegou dois trabucos e, ao abrir a porta, deu de cara com Marcos Antônio. "A gente se abraçou e chorou muito", lembra.

Mirinho tentou convencer o irmão a ir ao Rio de Janeiro para erguer a organização naquela região. A resposta de Marcos Antônio foi taxativa: "Já tenho um propósito na vida, que é de quem faz revolução. E quem faz revolução é camponês." Na sequência, se despediu: "Mais à frente, na luta, a gente se encontra."

Depois desse dia, Mirinho nunca mais viu Marcos Antônio. O desaparecimento motivou o militante a mergulhar no estudo da atividade camponesa na região central do país.

O foco foi a Revolta de Trombas e Formoso, ocorrida na região norte de Goiás entre 1950 e 57. Após o golpe militar de 64, os camponeses dessa localidade foram seguidamente torturados e perseguidos.

No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foram liberadas as informações, até então sigilosas, da Revolta de Trombas e Formoso. Em suas pesquisas, Mirinho descobriu o depoimento de um integrante da VAR Palmares à Polícia Federal, que teria se encontrado com Marcos Antônio em maio de 1970, em Goiás. O estudante sorocabano teria dito a seguinte frase ao colega: "Estou com medo porque o Gimenez sabe onde eu estou. Fiquei sabendo que o Gimenez está preso."

De acordo com Mirinho, a pessoa citada seria Armando Gimenez, um jornalista de Santos que esteve em Trombas ao se unir com estudantes da Escola Técnica de Piracicaba. "Acredito que essa informação leve a gente a pensar que o meu irmão desapareceu naquela região", conta.

O principal suspeito por sua morte é Marcus Antônio de Brito Fleury, ex-diretor regional da Polícia Federal, ex-superintendente do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) e ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) de Goiás. Ele faleceu em 2012.

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

Sorocabano é a vítima mais jovem da ditadura
Data: 01/01/1970 1970
Créditos / Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
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