Decreto do Príncipe D. João estabelece a primeira fábrica de pólvora
13 de maio de 1808, sexta-feira. Há 216 anos
A Real Fábrica de Pólvora foi criada pelo decreto de 13 de maio de 1808 e estabelecida na Fazenda da Lagoa Rodrigo de Freitas, que fora adquirida pela Coroa por meio de subscrição voluntária entre os moradores da cidade e em cujas terras também foi instalado um jardim botânico (BEDIAGA, 2007, p. 1.139).A transferência da corte portuguesa para o Brasil deu início a uma profunda reorganização das forças militares em terras brasileiras, dotando o Exército e a Armada de uma importante infraestrutura a partir da criação de escolas militares, arsenais, fábricas e oficinas voltadas para o reaparelhamento do material bélico, além da organização da administração orçamentária das instituições militares (LOBO, 2014).A partir de 1824 iniciou-se um processo de estudos para a instalação da fábrica em outra localidade. Problemas decorrentes do sistema de drenagem, o excessivo desmatamento das encostas do Corcovado e o permanente desvio dos recursos hídricos da região da Lagoa passaram a comprometer a produção da fábrica por falta de força motriz. Além disso, os riscos que a produção de pólvora representava gerava protestos de seus vizinhos na área da Lagoa Rodrigo de Freitas (MOREIRA, 2005). A localidade da Serra da Estrela, no distrito de Magé, próximo ao Porto da Estrela e do caminho para Minas Gerais, principal região produtora de salitre – uma das matérias primas básicas para a produção de pólvora – seria escolhida como a nova sede para a fábrica. A transferência, iniciada em 1826, seria concluída apenas em 1832, quando a fábrica da Lagoa seria finalmente fechada e novos estatutos seriam aprovados em 21 de fevereiro desse ano para o seu funcionamento em nova sede, no pé da serra da Estrela.De acordo com o novo regulamento, a administração da fábrica seria desligada do Arsenal de Guerra da Corte e sua direção seria confiada a um diretor diretamente subordinado ao ministro da Guerra, auxiliado em suas funções por um vice-diretor, sendo que ambos deveriam ser obrigatoriamente oficiais militares. Fariam parte ainda da estrutura da fábrica um almoxarifado, uma pagadoria, uma enfermaria, um laboratório de fogos de artifício e sete classes de oficina para a fabricação da pólvora, a saber: refinação; polvorização; mista; trituração; granização; carpintaria e tanoaria; e ferraria, latoaria e fundição.Nesse primeiro momento de instalação da fábrica na Estrela, a mão de obra utilizada nas oficinas era basicamente composta por escravos da nação e africanos libertos. Devido ao isolamento da fábrica, seu esquema de funcionamento precisava buscar dar conta de toda uma estrutura de subsistência de seus empregados em um sistema, para usar um termo contemporâneo, ruro-fabril, ou misto, pois nele empregavam-se tanto mão de obra cativa – nos trabalhos que não necessitavam uma especialização da mão de obra – quanto livre, no caso dos poucos operários especializados, mestres, feitores e, naturalmente, dos administradores da fábrica. Dessa forma, além da administração relativa ao fabrico da pólvora, fazia-se necessário também uma organização que oferecesse alimentação, vestuário e cuidados de saúde dos funcionários da fábrica. Esses serviços, além da responsabilidade pelo corte da madeira, do cuidado do gado e das roças dos escravos, ficavam à cargo do feitor. Em um sistema de produção baseado na autossuficiência, funcionavam ainda na fábrica, além do já citado serviço médico, que por diversas vezes atendia também a população vizinha à fábrica, uma prisão e uma capela. Todos esses serviços eram imediatamente subordinados ao diretor e ao vice-diretor da fábrica.Durante essa primeira década, a fábrica funcionaria regida por esse regulamento de 1832, com uma breve interrupção no ano de 1833, quando seria aprovado um novo regulamento através do decreto de 11 de novembro, que diminuiria para quatro o número de oficinas, sendo uma de refino, uma de fabrico de pólvora, uma de carpintaria e a última de ferraria e latoaria. Entretanto, em 1835, o decreto de 10 de fevereiro determinaria a nulidade do regulamento em vigor e a volta ao regulamento de fevereiro de 1832, com suas sete classes de oficinas. Em 1840 um novo regulamento seria aprovado para a fábrica, mas que pouco alteraria sua estrutura de funcionamento, apenas acrescentando como funcionários um porteiro, um escriturário e fiéis e guardas em número necessário para o funcionamento dos depósitos e oficinas, regulando também seus vencimentos. Esse novo regulamento perduraria até o ano de 1855, quando reformas mais profundas seriam feitas no regime de trabalho na Fábrica de Pólvora.O sucesso que a fábrica obteve em sua primeira década de funcionamento não seria repetido nos anos de 1840. Se, durante a década de 1830, a produção da fábrica mostrava-se sempre crescente, chegando à produção de 8.000 arrobas anuais em 1837 – marca estimada para a autossuficiência do governo – em 1842, a produção cairia para apenas 6.000 arrobas anuais, insuficiente, inclusive, para o seu custeamento, forçando o governo a fazer constantes injeções de capital na fábrica. Os principais motivos apontados pelos administradores para a diminuição dessa produção era o contrabando da pólvora inglesa, que, por ser mais barata, vencia a concorrência no mercado nacional, além das dificuldades de venda da pólvora nacional nas províncias, em decorrência das grandes distâncias acrescidos pelo alto custo de manutenção da fábrica.Esse quadro estacionário da produção deu razão a uma profunda reavaliação do sistema produtivo da fábrica. O sustento dos funcionários da fábrica não eram cobertos pela roça e pela criação de gado existentes e a mão de obra compulsória passou a ser vista como demais custosa para a nação. O diretor da fábrica Jerônimo Francisco Coelho apontava em seu relatório apresentado ao ministro da Guerra do ano de 1853, que “a parte do estabelecimento propriamente destinada ao fabrico de pólvora, parece antes um acessório do que essencial e fundamental”. Segundo o relatório, a fábrica possuía um número excessivo de escravos de ambos os sexos, totalizando “370 indivíduos, dos quais 100 ou são incapazes, ou ainda não capazes de serviço algum, e muitos outros inaplicáveis, como oficiais de ofício (em número de 69) que nenhuma relação necessária com o fabrico de pólvora, e tudo tratado e sustentado e pago a custa da nação (FÁBRICA DE PÓLVORA, 1853, pp. 2-4).A solução proposta pelo diretor foi a redução dos serviços acessórios da fábrica que não estivessem estritamente vinculados à produção de pólvora, bem como o afastamento daqueles que não estavam inseridos nessa produção, como as mulheres, crianças, velhos e doentes. Propunha ainda que o trabalho de cativos e de africanos livres fosse abolido no estabelecimento, mantendo apenas uns trinta cativos necessários para alguns serviços braçais e para o corte de madeira. No demais, os operários da fábrica deveriam ser homens livres que trabalhassem num regime militarizado. Com essas premissas, o regulamento da fábrica seria reformado e aprovado com a edição do decreto n. 1.709, de 29 de dezembro de 1855. Na nova organização, foi abolido o cargo de vice-diretor, sendo criado para auxílio do diretor dois cargos de ajudantes do diretor, ou mais se esse achasse necessário, ambos retirados da classe dos oficiais militares e com patente inferior ao diretor da fábrica, além de um agente de compras. Para suprir a mão de obra escrava que se buscava abolir, foi criada uma companhia de artífices, contando com 50 praças. As oficinas seriam também reformadas, sendo agora divididas em seis envolvidas na produção direta da pólvora, e outras duas auxiliares. Uma para os trabalhos de carpintaria e outra para os de ferraria e serralheria.Apesar das mudanças intentadas com o decreto de 1855, o funcionamento da fábrica ainda não era visto como satisfatório pelos seus administradores. A substituição da mão de obra cativa seguia em ritmo lento, os serviços acessórios ainda consumiam muito do orçamento da fábrica e a produção no ano de 1858 foi de apenas 1.800 arrobas, muito aquém das 10.000 arrobas estimadas que a fábrica produzisse após a implementação da reforma de 1855. Devido a isso, em setembro de 1859, outra comissão é nomeada pelo ministro Manoel Felizardo de Souza Mello com a função de elaborar novos estatutos para a fábrica, que lhes seriam entregues prontamente e aprovados em 17 de março de 1860, através do decreto n. 2.555.De acordo com os novos estatutos, o serviço na fábrica passaria a ser dividido em duas divisões, uma dedicada à produção de pólvora, contando com três seções, e uma segunda, composta por duas seções e responsável pelos serviços acessórios, como manutenção das máquinas e edifícios, administração dos terrenos da fábrica e transporte da produção. A Companhia de Artífices destacada para o serviço na fábrica seria aumentada para sessenta praças, além disso o seu comando seria desvinculado do Arsenal de Guerra da Corte, sendo, a partir desse ato, subordinada diretamente à estrutura de comando da fábrica. Dessa vez as mudanças surtiram o efeito desejado pelos reformadores. Os custos de produção diminuíram e, em 1861, a produção da fábrica chegava a 4.500 arrobas de pólvora, atingindo a marca de 8.000 arrobas já em 1863. A essa otimização da produção seria somada a situação extraordinária da Guerra do Paraguai, e, em 1866, seriam transferidos para a fábrica todos os escravos da nação que se encontravam no Arsenal de Guerra da Corte. Dentro desse contexto a produção da fábrica se elevaria, sendo produzidas entre os anos de 1860 e 1869 mais de 77.000 arrobas de pólvora. Produção alta, mas ainda insuficiente para os gastos na campanha no Paraguai, sendo necessária a importação de pólvora inglesa.Após o término da guerra, a fabricação da pólvora na fábrica da Estrela seria reduzida drasticamente, caindo a apenas 2.406 arrobas no último ano do conflito em 1870. Durante a década de 1870, a produção da fábrica manteria essa baixa média. Os responsáveis pela repartição da Guerra indicavam em seus relatórios que os depósitos para armazenamento da pólvora no Boqueirão, em Inhomirim e na Intendência de Guerra da Corte encontravam-se repletos. Dessa forma, em 26 de fevereiro de 1878, seria expedida a decisão n. 110, que reduziria o corpo de funcionários da fábrica ao mínimo necessário para sua manutenção e suspenderia a produção de pólvora, que só seria retomada no ano de 1884. Ainda de acordo com esse ato o Corpo de Artífices deveria voltar à sua condição anterior ao regulamento de 1860, funcionando como um destacamento do Corpo de Operários Militares do Arsenal de Guerra, sendo subordinados imediatamente ao ajudante do diretor da fábrica.Após seis anos de suspensão dos trabalhos na fábrica, o ministro da Guerra Luís Franco de Sá em seu relatório anual solicita a retomada da produção de pólvora, pois durante esses anos o país vinha importando o produto da Inglaterra, enquanto seus depósitos encontravam-se repletos e a fábrica mostrava-se capaz de produzir pelo menos parte da pólvora necessária para o consumo do país. Dessa forma, solicita autorização para reformar o regulamento da fábrica para que volte a funcionar; solicitação, essa, atendida pelo decreto n. 9.368, de 31 de janeiro de 1885. Esse novo estatuto, por sua vez, pouco alterava a estrutura do regulamento aprovado em 1860, mantendo-se o funcionamento em duas divisões distintas subordinadas ao administrador, contando a primeira com três seções, e a segunda com duas seções para o serviço auxiliar da fábrica. As poucas alterações desse novo regulamento diziam respeito apenas à constituição das oficinas devido aos avanços tecnológicos na produção e melhoramentos da pólvora nessas últimas décadas.