Recolhimento de mulheres. Escrito por Januária Oliveira, historialuso.an.gov.br
8 de maio de 2020, sexta-feira. Há 4 anos
Carta do conde de Aguiar, governador e capitão-general da Bahia, ao governador e capitão-general da capitania de São Paulo, Antonio José da França e Horta, informando que o príncipe regente, d. João, permite que se instale um recolhimento e casa de educação de mulheres na vila de Sorocaba a pedido de d. Manuela de Santa Clara e de Rita de Santa Inês.
Conjunto documental: São Paulo. Ministério do Reino e Império. Registro de correspondênciaNotação: IJJ9 5Datas-limite: 1808-1830Título do fundo: Série InteriorCódigo do fundo: AAArgumento de pesquisa: população, feminina
Data do documento: 22 de junho de 1810
Folha(s): 14 e 15Local: Palácio do Rio de JaneiroVeja o documento na íntegra
Para o mesmo (Antonio José da França e Horta[1])
N°54. Sendo requerido D. Manuela de Santa Clara, e Rita de Santa Ignez da Villa de Sorocaba dessa capitania[2], a fundação e estabelecimento de um recolhimento[3], e a casa de educação de mulheres. Foi o Príncipe Regente[4] nosso senhor servido mandar consultar a Mesa do Desembargo do Paço[5] sobre este objeto, e não tendo ainda sabido a consulta, e tornando a requerer, que em quanto se lhe não defira inteiramente este negócio, lhes fosse licito começar este estabelecimento unicamente com seis educandas, enquanto se não estabelecia patrimônio suficiente para maior número. É o mesmo senhor servido permitir-lhes faculdade, e ordena, que Vossa senhoria não ponha a isso embaraço algum. Deus guarde a vossa senhoria. Palácio do Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1810.
Conde de Aguiar[6]
[1] HORTA, ANTÔNIO JOSÉ DA FRANÇA E (1753-1823): Nascido na cidade de Faro, em Portugal, foi um militar e administrador colonial, tenente-general, fidalgo da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo. Governador e capitão general da capitania de São Paulo, de dezembro de 1802 a outubro de 1808, se propôs a acelerar o desenvolvimento econômico da capitania através da melhoria dos “caminhos”, ou seja, as vias de comunicação das quais dependiam o sucesso da atividade comercial, e da concentração das exportações paulistas pelo porto de Santos, buscando a integração da província à política monopolista da metrópole. Outra importante medida de França e Horta foi a criação do primeiro curso oficial de cirurgia no Brasil, no Hospital Militar da cidade de São Paulo, ministrado pelo físico-mor Mariano José do Amaral, São Paulo sofria com a falta de médicos e boticas no período. Promoveu também, aulas de desenho e matemática para formação de oficiais engenheiros na capitania. Foi conselheiro da Fazenda a partir de 17 de janeiro de 1812. Integrou o Corpo Militar como Marechal de Campo graduado e retornou a Portugal, em 1821, com d. João VI. Em sua homenagem, uma cidade do estado de São Paulo foi batizada de Franca.
[2] SÃO PAULO, CAPITANIA DE: Na época da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras desta região encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro. A medida não foi eficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro, assim, a capitania de São Paulo seria criada, em 1709, como consequência da Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região.
Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e, a então formada capitania de São Paulo, passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta capitania abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas.
A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões integravam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música e, claro, se tornavam cristãos. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a ordem religiosa Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759.
A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, acostumou-se a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de riquezas minerais, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a parir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A capitania de São Paulo, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia apenas em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visava fortalecer a região centro sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).
[3] RECOLHIMENTO: Casas de reclusão voltadas para educação de mulheres, surgidas na época moderna. Em sua maioria, eram instituições laicas, não ligadas diretamente à Igreja, embora pudessem, mais tarde, transformarem-se em conventos. Ainda que a educação religiosa integrasse os ensinamentos, o voto religioso não era obrigatório, tendo em vista que nesses ambientes recolhiam-se viúvas, solteiras, órfãs, além de mulheres escravas que faziam os serviços mais pesados. As casas de recolhimento exerciam uma dupla função na sociedade colonial. Se por um lado legitimavam a dominação masculina, ao receberem mulheres que não se enquadravam nos padrões estabelecidos, por outro, funcionavam como locais de resistência feminina. Algumas mulheres, por exemplo, optavam pela vida nos recolhimentos para escaparem de casamentos arranjados. Desta forma, tais espaços convertiam-se em alternativas de exercício da liberdade diante das poucas opções que a sociedade patriarcal legava às mulheres. É interessante ressaltar que os recolhimentos eram sustentados por meio de doações. Esperava-se que formassem boas esposas, mães, ou em última instância, excelentes educadoras para as moças mais jovens da casa. Constituíram um dos poucos espaços na colônia onde as mulheres aprendiam a ler e escrever, uma vez que não havia escolas para mulheres. No período colonial, muitos recolhimentos foram fundados por padres. O primeiro criado por uma mulher e vinculado à Ordem Terceira Franciscana foi estabelecido na cidade de Olinda, em 1576. Eram espaços regidos por uma disciplina que tinha por base o estabelecimento de censuras, obrigações e a regulamentação dos ciclos de repetição. [4] JOÃO VI, D. (1767-1826): Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785 casou com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV, que na época tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado, foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa, a família real e a corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-se sob o seu governo, o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825, tornando-se imperador titular do Brasil, embora tenha sido o seu filho d. Pedro o imperador do Brasil de facto.[5] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO E DA CONSCIÊNCIA E ORDENS (RIO DE JANEIRO): Criada no Rio de Janeiro, após a transferência da Corte portuguesa ao Brasil, pelo alvará de 22 de abril de 1808, era um órgão superior da administração judiciária. O recém-criado tribunal encarregava-se dos negócios que, em Portugal, pertenciam a quatro secretarias: os tribunais da Mesa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho do Ultramar e da Chancelaria-Mor da Corte e do Reino. O alvará de criação do Desembargo do Paço e da Mesa da Consciência e Ordens, definia ambos como um mesmo tribunal, no entanto, na prática, mantiveram funcionamento e normas distintas. Referente ao Conselho Ultramarino, sua jurisdição englobava apenas os temas que não fossem militares, uma vez que estes já eram contemplados pelo Supremo Conselho Militar, uma de suas atribuições foi a confirmação das sesmarias da Corte e província do Rio de Janeiro, que até então eram dadas pelos vice-reis, pelos governadores e pelos capitães-generais de diversas capitanias.
[6] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.