Centro de documentação em historiografia da linguística, cedoch.fflch.usp.br (data da consulta)
27 de março de 2024, quarta-feira.
O Dicionário Português-Brasiliano (DPB) de 1795 é de autoria anônima. No prólogo desta edição (Lisboa: Editora Patriarchal, sem nome do a., 1795), reproduzido em Ayrosa (1934: 31-33), aparece apenas a informação de que se trata de um dicionário composto por um missionário dos índios. Com o tempo, estudos bibliográficos levantaram várias hipóteses sobre a autoria do Dicionário das quais aqui se dá notícia de duas.Houve a hipótese de que Frei Jose Mariano da Conceição Velloso (1742–1811), botânico e naturalista brasileiro, teria sido o autor da obra. Segundo Ayrosa (1934), Frei Velloso era, de fato, um erudito “apaixonado das cousas brasilicas”, que já havia escrito outras obras e era sacerdote “como quase todos os grandes mestres das linguas selvagens”. Além disso, exames dos manuscritos existentes na Biblioteca Nacional (RJ) identificavam como sua a letra do Dicionário e “... o carater e a feição do Diccionario não exigiam que seu autor fosse um profundo conhecedor da Lingua Geral” (cf. Ayrosa 1934: 8).Em 1880, porém, o volume VIII dos Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com uma bibliografia de obras impressas e manuscritas sobre a língua geral do Brasil (Catálogo de Valle Cabral n. 258), informou sobre a existência de um dicionário manuscrito, datado de 1751, que correspondia àquele Dicionário (=DPB) publicado por Frei Velloso em 1795. Em 1751, Frei Velloso teria apenas nove anos de idade, o que o descarta, definitivamente, como autor do Dicionário.Frei Velloso não é, portanto, conclui Ayrosa (1934:12), o autor da obra, mas sim aquele que encontrou e publicou em 1795 a primeira parte do manuscrito de 1751, isto é, o Diccionario Portuguez-Brasiliano, (=DPB), a ser oportunamente acrescido de uma segunda parte [i.e. Brasiliano-Português], apenas esboçada naquele manuscrito, mas anotada e ampliada por ele, Velloso. Esta segunda parte permaneceu inédita até a edição de 1934, de Plínio Ayrosa.Quem seria então o autor do manuscrito de 1751?Em 1891, o Instituto Histórico Brasileiro publicou a Poranduba Maranhense, de Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres de Maranhão (1790-1852). No apêndice de sua obra, Frei Prazeres, ao dar “noticias da lingua fallada” na região, fez uso de um dicionário [Brasiliano-Português] que afirmou ser de autoria de um certo Frei Onofre, “... antigo missionario dos indios, entre cujas obras manuscriptas eu o descobri na livraria do Convento de Santo Antonio do Maranhão.” (cf. Ayrosa 1934:16). O Dicionário Onofre — ou a parte dele publicada no vol. 54 da Revista do Instituto com o título de Diccionario da lingua geral do Brasil— é exatamente o reverso do dicionário impresso por Frei Velloso em 1795, isto é, ambos contêm os mesmo vocábulos. Frei Onofre, portanto, é o autor do que se convencionou chamar a primeira parte do Dicionário Português-Brasiliano, publicada por Frei Velloso em 1795, e por vários outros autores ao longo do século XIX (cf. Ayrosa 1934:17).Plínio Marques da Silva Ayrosa (1895-1961) nasceu em São Paulo, foi engenheiro, filósofo, professor de etnografia e especialista em dialetos Tupi e Guarani da Universidade de São Paulo, USP. Enquanto cursava a escola Politécnica, do Rio, trabalhava como repórter na Gazeta de Notícias e, nas horas vagas, dedicava-se aos estudos do Tupi e do Guarani. Quando terminou seu curso, tirou o 1º lugar de sua turma e ganhou uma viagem à Alemanha. Lá, Ayrosa encontrou um centro de estudos da língua indígena brasileira, estudiosos do assunto e obras sobre o Tupi e o Guarani. A convite de Sud Menucci (1892–1984), então Secretário da Educação, Ayrosa iniciou a realização, em São Paulo, de um curso de Tupi e de Guarani. Começou a lecionar em 1931, e, três anos mais tarde, tornou-se Professor Titular da Cadeira de Tupi da Universidade de São Paulo. Em 1947, já havia publicado cerca de 120 obras. Logo em seguida, com um grupo de colaboradores, construiu o Museu Indianista, um centro de estudos sobre o índio, sua língua e seus costumes.A obra foi publicada pela primeira vez em 1795, em Lisboa, na Officina Patriarchal, provavelmente pelo Frei Jose Mariano da Conceição Velloso (cf. Ayrosa 1934). Nesta edição foi publicada apenas a parte da obra relativa ao Português–Brasiliano. Há manuscritos deste dicionário datados de 1751 que, segundo Ayrosa (1934), teriam sido escritos antes mesmo desta data.1934[1795]. Diccionario portuguez-brasiliano e brasiliano-portuguez. Reimpressão integral da edição de 1795, seguida da 2ª parte, até então inédita, organizada e prefaciada por Plinio M. da Silva Ayrosa. São Paulo: Imprensa Oficial, 319 páginas.A edição de 1934 do DPB, prefaciada e organizada por Plinio Ayrosa, traz o que se convencionou denominar de ‘primeira parte’ (=Português e Brasiliano), tal e qual publicada por Frei Velloso em 1795, acrescida de uma segunda parte (=Brasiliano-Português), até então inédita. Esta segunda parte é, segundo seu organizador, a reversão integral da edição de 1795. Constitui-se a edição de 1934 de: Folhas de rosto (1-3); Prefácio de Plínio Ayrosa (5-24); [Título da] Primeira Parte= Diccionario Portuguez-Brasiliano (reimpressão integral de 1795) (25); Nota [ass. por Valle Cabral] sobre a reimpressão da 1ª. parte do Diccionario, publicado em 1795 (27-28); [Título do] Diccionario Portuguez e Brasiliano Primeira Parte (29); Por Prologo se offerece o seguinte (31-33); Advertência sobre a Orthographia e Pronunciação desta Obra (35-39); Diccionario Portuguez e Brasiliano da língua Geral do Brasil (41-124); [Título da] Segunda Parte= Diccionario Brasiliano-Portuguez (Manuscripto Inedito da Biblioteca Nacional n. 258) (125); Nota sobre o manuscripto da Segunda Parte [ass. por Ayrosa] (127-128); Diccionario Brasiliano e Portuguez ou Da Língua Geral do Brasil (129-319); Errata (321)Várias foram as reproduções — na sua maioria parciais— dos manuscritos originalmente atribuídos a Frei Onofre, e publicados como Dicionário Português-Brasiliano por Frei Velloso (1795). Ayrosa (1934:19ss) enumera as seguintes: Vocabulário da língua Geral uzada hoje em dia no alto Amazonas , datado de 1852; (Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 17, p. 533); Diccionario da Língua Geral dos Índios do Brasil, reimpresso e augmentado com diversos vocabularios, e offerecido a Sua Magestade Imperial por João Joaquim da Silva Guimarães, natural da Bahia (Typ. De Camillo de Lellis Masson, 1854); Diccionario da lingua tupy chamada lingua Geral dos indígenas do Brasil, de Gonçalves Dias (Lipsia: F. A. Brockhaus, 1858); Glossaria linguarum brasiliensium, de Martius (Erlangen druck von Junge e Sohn, 1863, que constitui o segundo volume da obra do autor denominada Beiträge zur Ethnographie Sprachenkunde Amerika’s zumal Brasiliens (Leipzig: Friedrich Freischer, 1867); Vocabulário dos índios Cayuás (Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 19); Diccionario anonymo da língua Geral do Brasil (repr. fasimilar da edição de 1795, e reverso ed. por Platzmann, 1896).A língua alvo do autor é o chamado Brasiliano, ora referida por Ayrosa (1934) como Tupi, ora como Língua Geral. “Ao comentar o DPB [Dicionário Português e Brasiliano] Edelweiss (1969) esclarece que a língua nele contida ‘nunca foi falada por legítima tribo tupi, mas por índios outros, aculturados, e pelos mestiços de toda a casta, do Maranhão e Pará, ao raiar o Setecentos. (...) Da língua-geral bahiana ou vicentina, não se originariam nunca certas formas léxicas, que dão o cunho todo peculiar ao DPB e aos vocabulários brasilianos em geral. É que na raiz deles não está o tupi doa jesuítas, mas o dialeto tupinambá do Maranhão, que só a superficialidade das breves análises ousará identificar com o tupi unificado, como já mostramos. Demais, da costa de Pernambuco a São Vicente não se verificaram influências linguísticas apreciáveis de outras famílias indígenas, enquanto no Maranhão e no Pará elas foram contínuas, sempre renovadas por novos descimentos.’” (apud Magalhães 1981: 65). Tupi-Médio (Monserrat 2003)O próprio autor nada declara a respeito de sua obra ou de suas intenções em divulgá-la, porém, na capa da edição de 1795 há, logo depois do título, o seguinte texto: “Obra necessaria aos ministros do altar/ Que emprehenderam a conversão de tantos milhares/ de almas que ainda se achão dispersas pelos/ vastos certões do Brasil, sem o lume/ da Fé, e Baptismo/ Aos que Parocheão Missões antigas, pelo embaraço/ com que nellas se falla a Lingua Portugueza/ para melhor poder conhecer o estado/ interior das suas Consciências/. A todos os que se empregarem no estudo da Historia/ natural, e Geographia daquelle paiz; pois couserva/ constantemente os seus nomes originários/, e primitivos/ ...”. E, no “Prologo” da edição de 1795, o editor (provavelmente Velloso, cf. Ayrosa (1934), aponta a língua indígena com grande admiração, diz que apesar do vocabulário limitado e dos índios não terem idéia alguma sobre religião, exceto a da natureza, eles conseguem, com sua própria linguagem, toda a comunicação de que precisam. Velloso dá à língua indígena um ar de pureza, a enaltecendo, e constrói uma oposição com “as linguas sábias (...) do homem na idade varonil”, que afirma serem nascidas da “podridão”. Justifica a necessidade desse dicionário como o que faltava para que melhor se pudesse entender essas suas afirmações.Conforme Ayrosa (1934:19), “Innumeros curiosos e cultores da Lingua Geral della se aproveitaram para suas publicações, dando-lhes, quasi sempre, uns ares de trabalho novo.” Cf. item ‘reproduções’ acima.