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Onda de devastação pelo crack começou há 27 anos em São Paulo. Por Juca Guimarães, do R7.com
25 de maio de 2017, quinta-feira. Há 7 anos
Ver São Paulo/SP em 2017
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O drama que a população de São Paulo enfrenta com o consumo desenfreado do crack está perto de completar três décadas. A primeira apreensão de crack na cidade aconteceu há 27 anos, no dia 22 de junho de 1990, quando a polícia prendeu um rapaz na zona Leste da capital com 220 gramas do entorpecente.

Cada pedra de crack pesa, aproximadamente, 0,25 grama e é vendida por R$ 5. A quantidade aprendida pela primeira vez pela polícia, com um homem que se identificou como barbeiro, era equivalente a 880 pedras e daria um lucro, com valor atualizado, de R$ 4.400.

A droga, já naquela época, era distribuída para diversos pontos da cidade, entre eles a região central. Foi ali que o crack, por conta do preço baixo e efeito potente, ganhou espaço e passou a substituir outros tipos de entorpecentes como cola de sapateiro, éter, maconha e cocaína.

O surgimento da Cracolândia, na região da Luz, tem ligação também com a degradação urbana pela qual passou o bairro após a desativação do Terminal Rodoviário da Luz. Entre 1961 e 1982, a rodoviária foi um dos principais pontos de chegada em São Paulo para quem vinha de ônibus do interior e também de outros estados.

Em torno da rodoviária, se estabeleceu uma zona comercial vigorosa com hotéis, pensões, lojas, lanchonetes e restaurantes. Com a desativação do terminal e sem um plano de reurbanização da área, boa parte dos imóveis fechou as portas.

Em junho de 1986, quatro anos após o fechamento da rodoviária, a prefeitura decidiu demolir as marquises do antigo terminal. Na época, o entorno do prédio abandonado já era ocupado por moradores de rua. O então secretário de administração regional, Welson Barbosa, comentou a decisão dos donos do imóvel de transformar o local em um albergue. "Achamos a ideia louvável e merece o nosso respeito, mas dentro das posturas municipais. Ninguém vai abrir um prédio aí e transformar num depósito de ser humano que isso não vamos permitir. Gostaríamos de ter um albergue noturno organizado, orientado", disse o secretário que completou dizendo que após a demolição das marquises o local seria "transformado em uma grande área de lazer daquele setor tão carente da cidade".

O terminal rodoviário faz parte da história do tenente-coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo Adilson Paes de Souza. Ele entrou na corporação em 1982 e foi assessor no Comando de Policiamento da capital."Eu morava em Sorocaba e diversas vezes desci na antiga rodoviária da Luz. Era muito movimentada a região e tinha muito comércio. Depois, todo o movimento dos ônibus intermunicipais e interestaduais foi transferido para o Terminal Tietê e a região ali da Luz ficou abandonada. O eixo de expansão da cidade se deslocou para a região da Paulista e o Centro Velho ficou feio numa situação de abandono", disse o tenente-coronel; autor do livroO Guardião da Cidade: reflexões sobre casos de violência praticados por policiais militares (Escrituras Editora).PublicidadeOs anos de degradação urbana que se seguiram após 1986 na região da Luz se agravaram a partir de 1990 com a chegada do crack. "O policiamento na região não era suficiente para combater o problema. Dentro dos quartéis, trabalhar na área central, naquela época, era condição não prestigiada, era de certa forma considerado um castigo trabalhar num batalhão da área central", disse.Outro problema enfrentado na Cracolândia era a prisão dos traficantes de crack. "Os PMs sentiam como se estivessem ´enxugando gelo´. Pois a cada prisão efetuada, surgiam vários outros traficantes", disse Souza.Entre 2003 e 2006, o tenente-coronel Adilson trabalhou como assessor no Comando de Policiamento da Capital. "Já naquela época, os policiais militares queixavam que nunca houve um investigação específica e efetiva para prender os grandes traficantes de crack. Ou seja, aqueles que abasteciam os demais traficantes", disse."O mais importante é entender a organização e a logística do grande traficante que envia a droga para lá, pois está evidenciado desde há muito tempo que há um comércio a céu aberto, 24 horas por dia e todos os dias da semana", disse.O repórter fotográfico Sérgio Silva acompanha a história da Cracolândia desde o final dos anos 2000. Já fez diversas reportagens de dentro do "fluxo", área central do comércio e consumo de droga na Cracolândia, e avalia que as iniciativas tomadas pelo poder público para tentar acabar com o problema das drogas na região por meio de operações policiais é um equívoco. "Não é com violência que vai acabar. Se espalhar, vai para outro lugar e continua igual", disse Silva.O coronel Adilson também concorda que a ação da polícia não pode criminalizar o usuário e as pessoas em situação de rua. "As pessoas devem ser tratadas com dignidade. Sei que não é um operação fácil de ser executada, mas se houver um tumulto porque as pessoas ali estão percebendo que vão ficar sem o fornecimento do crack, a polícia deve agir com inteligência sem praticar violência, cometer agressões de forma generalizada e indiscriminada; e sem tratar usuários de crack e moradores de rua como se fossem criminosos. Numa atitude de generalização que deve ser repudiada", disse.Citando a Teoria das Janelas Quebradas, desenvolvida na Escola de Chicago, nos EUA, no século passado, Souza faz um paralelo com o surgimento da Cracolândia. "A degradação urbana da região da Luz colaborou em muito para o surgimento e permanência da Cracolândia. No lugar em que existe a degradação urbana, a tendência é de perpetuação do crime", disse Souza.De acordo com a Teoria das Janelas Quebradas, desenvolvida por James Q. Wilson e George Kelling, se uma janela de um edifício for quebrada e não for reparada, a tendência é que vândalos passem a arremessar pedras nas outras janelas e posteriormente passem a ocupar o edifício e destruí-lo. O que quer dizer que a desordem gera desordem, que um comportamento antissocial pode dar origem a vários delitos. Por isso, qualquer ato desordeiro, por mais que pareça insignificante, deve ser reprimido. Do contrário, pode ser difusor de inúmeros outros crimes mais graves.Confira a entrevista com o repórter-fotográfico Sergio Silva sobre a sua experiência cobrindo a Cracolândia.R7: Quando foi a primeira vez que você ouviu falar em Cracolândia?Sergio Silva: Ouço falar desde a minha adolescência. Lembro das imagens de reportagens mostrando as pessoas usando a droga embaixo de pontes e viadutos. Aquilo já era uma Cracolândia, apenas não tinha esse nome. No bairro em que morava, fora do Centro, era comum o uso do tal "mesclado" (mistura de maconha e crack). Portanto, o crack sempre esteve presente nas ruas de São Paulo. Obviamente nunca houve uma concentração tão grande quanto o que se vê ali rua Helvétia.R7: Quantas vezes você já fez reportagens lá?Sergio Silva: Já estive pelo menos umas cinco vezes na região para reportagens, a primeira foi em 2011.R7: Você conseguiria fazer uma descrição do perfil de quem vive ali no fluxo do crack?Sergio Silva: Desde os anos 90 o crack já era consumido em bairros fora do grande fluxo do centro da capital. A maioria dos jovens que usavam o crack mesclado com maconha era de classe média. O fluxo na região da luz é o reflexo deste problema, que optou por um local de fácil acesso e concentração de pessoas; sejam elas moradoras ou então que estão apenas de passagem. Já vi de tudo ali, mulher grávida, criança, homem de terno e gravata. Mas sinto que o cidadão de baixa renda é o principal alvo deste problema do crack.R7: Qual a situação mais tensa que você passou trabalhando na Cracolândia?Sergio Silva: Não passei por grandes apuros. Sempre procurei agir com muita segurança para conseguir reportar a situação ali. Certa vez, passei mais de quatro horas dentro de um apartamento abandonado fotografando o movimento do fluxo; sem que fosse notado nem mesmo pela polícia.R7: Quando foi que você viu mais gente lá na Cracolândia? Como foi?Sergio Silva: Foi em uma situação menos problemática do que essa que vimos neste último domingo. Foi quando o filme do rapper Sabotage foi exibido ao ar livre. Era uma noite de calor, tinha pipoca grátis e haviam representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura. Foi a primeira vez que atravessei o fluxo. Muitos usuários aglomerados em suas malocas, enquanto outros procuravam o melhor lugar para sentar e prestigiar a sessão gratuita de cinema.

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