Aumento de 20 centavos marcou o início dos protestos de junho de 2013. Por Bernardo Estillac. em em.com.br
11 de junho de 2023, domingo. Há 1 anos
Junho de 2013 é um mês essencial para compreender a história recente do Brasil e, ao mesmo tempo, um dos períodos mais complexos para o entendimento das razões que motivaram o início dos protestos, como eles se modificaram em seu decurso e como eles impactaram o cenário nacional subsequente. Originados de movimentos por melhorias no transporte público e da revolta contra o aumento de tarifa dos ônibus na capital paulista, os atos rapidamente se espalharam pelo Brasil compartilhando essa pauta, mas também se moldando às realidades locais e absorvendo revoltas e frustrações das mais diversas.
A centralidade do tema da mobilidade urbana no início dos protestos pode ser contextualizada pela organização dos movimentos que defendiam a causa e sua experiência em protestos anteriores. Outra questão a ser levada em consideração é uma especificidade do ano de 2013 em relação ao período dos reajustes tarifários.
Normalmente, os aumentos de passagem são feitos no início do ano, mas, em 2013, eles foram postergados em grandes cidades brasileiras a pedido do governo federal. O então ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT), Guido Mantega, chegou a se reunir com os prefeitos de São Paulo, Fernando Haddad, e do Rio de Janeiro-RJ, Eduardo Paes (à época, no PMDB), para solicitar um congelamento temporário nas tarifas. A medida se deu na tentativa de controlar um aumento da inflação que preocupava o Planalto.
Os reajustes no início do ano costumam encontrar os grandes centros urbanos esvaziados, o que reduz as chances de manifestações – diferentemente de outras épocas do ano. Para acrescentar mais um ingrediente ao cenário explosivo de junho, os aumentos tarifários que passaram a acontecer em meados de 2013 fizeram com que a revolta dos passageiros que sentiam o peso no bolso se somasse à insatisfação com a Copa das Confederações, marcada para junho, e que se tornaria um dos muitos alvos dos manifestantes.
Um dos pesquisadores que levantam a discussão sobre o momento em que as passagens foram reajustadas em várias cidades do Brasil em 2013 é o urbanista e professor da Escola de Arquitetura da UFMG, Roberto Andrés. No livro “A Revolta dos Centavos” (Editora Zahar, 2023), o autor discorre sobre a história das jornadas de junho antes, durante e depois dos protestos. Em entrevista ao EM, ele destaca também que a movimentação nos grandes centros urbanos relativa aos aumentos de tarifa precede o mês de junho daquele ano.
“É bom lembrar que os protestos pelo transporte estavam muito fortes no período anterior. Em Porto Alegre e Goiânia já havia manifestações antes de elas começarem em São Paulo em junho, quando houve uma confluência que chegou a mais cidades. Um ponto de inflexão das manifestações foi em 13 de junho, pela comoção diante da grande repressão policial em São Paulo, inclusive com jornalistas de grandes veículos sendo atingidos. Essa comoção conjuga com o início da Copa das Confederações”, avalia.
Nos primeiros dias de junho, quando a luta pela revogação dos reajustes em São Paulo e Rio de Janeiro tinha pouco destaque nas manchetes nacionais, ainda não se vislumbrava a possibilidade de os protestos se espalharem por centenas de cidades e com milhões de pessoas envolvidas. É o que recorda a professora do Departamento de História da UFMG, Kátia Gerab Baggio.
“Eu acho que até hoje as chamadas jornadas de junho geram esse debate tão grande e geraram, ao longo desses 10 anos, interpretações distintas exatamente por conta dessa multiplicidade de um movimento que começou pontual. Por coincidência, eu estava em São Paulo em 6 de junho de 2013 e não sabia da manifestação. Eu me lembro que, ao sair da Universidade de São Paulo (USP), o trânsito estava muito complicado. Ainda que fosse uma sexta-feira, estava pior que o normal e minha colega me informou da manifestação contra o aumento das passagens. Uma primeira análise que podemos fazer é que eu não conheço ninguém que previu a dimensão que aquelas manifestações tomariam”, recorda a professora.A análise da conjuntura também é um ponto que provoca discussão quando se analisa o cenário em que se tornou possível a explosão dos protestos em junho de 2013. O Brasil estava a um ano das eleições presidenciais, há 11 anos sob governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e com a gestão de Dilma Rousseff avaliada como positiva por 65% dos brasileiros em março daquele ano, segundo o Datafolha. Piso alto, teto baixo Em seu livro “A Razão dos Centavos”, Andrés usa a expressão “piso alto, teto baixo” como intertítulo para discutir como o cenário socioeconômico do país pode entrar na discussão sobre as motivações do protesto. “Esse termo busca explicar algo que ficou muito pouco compreendido no período. De certa forma, a economia brasileira, para nossos padrões, estava bem. Tínhamos crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nos anos anteriores, com uma leve queda em relação ao período de 2006 a 2010, mas ainda assim crescimento. A inflação estava controlada, o cenário era de pleno emprego”, explica. Andrés comenta que a insatisfação popular pode ser explicada por uma limitação do cenário de crescimento do país. Embora tenha experimentado uma elevação do padrão de vida nos anos anteriores, a população brasileira viu o próximo passo nessa escalada dificultado.“Quando a gente olha para as ruas, para as cidades, a gente enxerga coisas que esses números macroeconômicos não mostram. A ideia do ‘piso alto, teto baixo’, produzido pelos governos pós-redemocratização, em especial os petistas, é que houve uma elevação do piso, a redução da pobreza extrema, inclusão de dezenas de milhões de pessoas na classe C, maior acesso à educação, à cultura e à internet. O país saltou de praticamente nenhum acesso à internet e, em pouco mais de dez anos, viu mais da metade da população conectada. Tudo isso produziu uma sociedade que passou a elevar suas demandas e expectativas e a aspirar modelos de sociedade e formas de vida distintas. O teto baixo é justamente porque nós não conseguimos suprir essas aspirações e houve uma demanda por melhorias na educação e na saúde públicas, por uma vida de qualidade nas cidades. Esse é o desencaixe, porque essas coisas foram avançando de forma muito lenta”, analisa. PAUTA AMPLIADA A repressão violenta aos manifestantes em São Paulo provocou uma comoção nacional e o resultado disso foi que, na segunda quinzena de junho de 2013, os protestos já haviam se espalhado por todo o país, aderindo características regionais e absorvendo pautas diversas. Em 20 de junho, 388 cidades brasileiras registraram atos com milhões de pessoas nas ruas. O caráter autonomista original das manifestações foi um dos pontos que facilitaram o ingresso de manifestantes que, em muitos casos, estavam tendo suas primeiras experiências em protestos de rua, como explica Andrés.“Eu acho que justamente esse método dos autonomistas, que era prevalente, sem a presença de um palanque, de um caminhão de som, de lideranças marcadas e uma direção tão definida, é um método que gera a abertura e porosidade para que muita gente sinta que possa ir. Muita gente passou a aderir por esse senso mais difuso do objetivo do protesto. Isso tem o ponto positivo de aumentar a adesão, mas a dificuldade de estabelecer um controle da pauta”, avalia o professor da UFMG. A multiplicidade de pautas é visualmente verificável quando se analisa fotos das jornadas de junho com atenção aos cartazes levados às ruas. Esse exercício foi feito por Roberto Andrés, que montou uma equipe que catalogou mais de 6 mil mensagens do período e as categorizou. Os temas percebidos atestam a diversidade das reivindicações que somam centenas de exemplos de reivindicações por saúde, educação, segurança, mobilidade, mídia, economia, justiça social, democracia, corrupção, PEC 37, feminismo, direitos LGBTQIA+, direitos sociais e violência policial, entre outros.