O termo Brasil aparece no Roteiro de Álvaro Velho da viagem de Vasco daGama numa referência à terra de Conimata, que tem “mill aliffantes de guerra;nesta terra há muitas pedras çafiras e muito brasyll” (VELHO, 1861, p. 113).Depois, um pouco mais adiante, ele explica que o preço de um “quintal de brasillval dez cruzados” (VELHO, 1861, p. 115). Este pormenor não é somenos poisindicia que havia pau-brasil em mais do que um lugar. Neste caso específico,fica claro que não se trata de uma referência ao Brasil, pois tal território aindanão tinha sido “descoberto”, além de ficar claro que se menciona uma terra deelefantes, pois assim vem dito no texto. Ora, esses outros lugares onde tambémexistia o mesmo tipo de madeira não receberam o nome de Brasil. Isso deveriaconstituir para nós um ponto de interrogação.Actualmente, possuimos bastante mais informação sobre o comércio dopau-brasil a partir da terra brasileira. Pelos vistos, terá começado bem cedo.Cameron Dodge, no bem informado artigo “A forgotten century of Brazilwood:the Brazilian trade after the emergency of sugar”, publicado no e-Journal ofPortuguese History, recua aos primeiros tempos desse comércio. Depois de referirque Amerigo Vespucci, que em 1502 viajou no navio comandado pelo capitãoGonçalo Coelho ao longo da costa do Rio Grande do Norte até ao Paraná, ondeencontrou “infinitas quantidades de pau-brasil” (VESPUCCI, 2001, p. 273-283),Dodge (2018, p. 4), escreve:
O comércio do pau-brasil teve início com as primeiras viagensdos portugueses ao Brasil nos primeiros anos do século dezasseis.A armada de Pedro Cabral, a quem se deve a descoberta do Brasilpela Europa, foi a primeira a exportar pau-brasil para Portugal. Afrota alcançou Porto Seguro, no futuro estado da Baía, em Abril de1500. Após uma estadia de uma semana, a maior parte da armadacontinuou a rota ao largo do Cabo da Boa Esperança em direcção àIndia, o destino original da viagem; mas Cabral mandou regressara Lisboa o capitão Gaspar de Lemos, no navio de mantimentos dafrota, a fim de dar a notícia da descoberta do novo território ao reiDom Manuel. O navio do capitão Lemos levava um carregamentode pau-brasil que tinha sido devidamente preparado por nativosdo Brasil durante a breve estadia dos europeus (Guedes, 1975a:165-172; Sousa, 1978: 56-57).
Em face das notícias da descoberta do Brasil e da chegada doprimeiro carregamento de pau-brasil a Lisboa, D. Manuel enviourapidamente uma segunda expedição com o fim de prosseguir na exploração das novas terras a que Cabral tinha aportado. Estaexpedição deu notícia de “infinitas quantidades de pau-brasil”existentes no território, e certamente trouxe novo carregamentoda madeira corante para Lisboa (Guedes, 1975b: 226-239;Vespucci, 2005: 282).Estas duas primeiras viagens tiveram como resultado revelar aquantidade de pau-brasil no Brasil bem como o potencial valoreconómico da colónia para a coroa portuguesa. Após o regressoda segunda expedição, em 1502, a coroa começou a atribuir osdireitos de controlo das trocas comerciais com o território acomerciantes privados que se propusessem financiar o comérciodo pau-brasil nos primeiros anos.Durante algumas décadas da actividade comercial, o aval realteve a forma de contrato de monopólio outorgado a um indivíduoou consórcio, os quais, a partir daí, passavam a ter exclusividadena importação de pau-brasil directamente do Brasil. A coroaportuguesa já há muito que tinha realizado semelhantescontratos de monopólio sobre os direitos de controlo do comércionos territórios da África ocidental, durante o século quinze, e àmedida que os portugueses iam gradualmente abrindo caminhopara sul da costa atlântica de África (Sousa, 1978: 58). Oscontratos do pau-brasil do século dezasseis eram simplesmenteo prolongamento para o Novo Mundo das tradicionais práticascomerciais do império português.D. Manuel outorgou o primeiro contrato a um consórcio demercadores de Lisboa liderado por Fernão de Noronha. Para osprimeiros três anos do contrato, a coroa estipulou, para Noronhae os seus parceiros, o seguinte: o envio anual de seis navios parao Brasil para comercializar o pau-brasil, a exploração de mais300 léguas de terra ao longo da costa durante cada expedição,e a construção e manutenção de um forte. Tudo isto, incluindoa construção do forte e a manutenção da sua guarnição, deveriaser custeado pelos mercadores. Para além disso, os mercadoresestavam obrigados a pagar à coroa uma parte do total dos lucros:nada no primeiro ano, um sexto no segundo, e um quarto noterceiro ano. À medida que a duração do contrato foi aumentando,também os seus objectivos se tornaram mais estritamenteeconómicos por natureza, e mais definida também a quantidadede pau-brasil que era permitido transaccionar. A partir de 1505,os mercadores foram autorizados a importar anualmente 20.000 quintais de pau-brasil, um privilégio pelo qual tinham que pagar4.000 ducados por ano.De importância crucial foi a proibição, por parte da coroa,da importação de qualquer outro tipo de madeira coranteproveniente da Ásia (Rondinelli, 2001: 270; Masser, 2001: 401).4Basicamente, esta medida significava que o pau-brasil queLoronha e os seus associados traziam para Lisboa passava a ser aúnica madeira corante disponível na Europa, à excepção daquelaque ia passando por outras vias através do Levante.O consórcio de Loronha organizou expedições para o Brasil em1502 e 1503 que obtiveram excelentes resultados no tocante àsobrigações dos mercadores para com o rei e aos lucros obtidosgraças aos direitos de monopólio do grupo. Da primeira expediçãoresultou o registo em mapa de uma enorme área de costa do Brasil,desde o Cabo de São Roque, no nordeste, até Porto Seguro. Naviagem, procederam ao carregamento de pau-brasil e de escravosindígenas que trouxeram para Lisboa.7
Deixemos agora esta questão do primeiro uso do termo e demos um salto notempo. Foi durante o século XIX - quando já estava mais do que estabelecidana voz corrente essa versão de ter sido a existência abundante de pau-brasil atransformar o nome da terra descoberta a oeste no quadrante sul do hemisférioinicialmente denominada Vera Cruz - que começaram a ser descobertos mapasantigos onde se registava uma ilha a oeste da Irlanda, cujo nome recebeudiversas variantes e que, ao longo dos anos, foi mudando de lugar: Breasail,Breasil, Brazi, Brazir, Braçir, Brasil. Uma sondagem desses mapas permite-nosverificar que essa ilha, “erupção do maravilhoso celta”, segundo a Enciclopédiados Lugares Mágicos de Portugal, de Paulo Pereira (2006) surge na cartografianáutica desde o primeiro quartel do século XIV. Embora com variações nonome, parece tratar-se da mesma ilha, se bem que nem sempre exactamenteno mesmo lugar.
Na verdade, uma ilha chamada Brasil aparece já, por exemplo, num mapa da Catalunha de 1325-1330, no mapa de Dulcert de 1339, no mapa dos irmãos Pizagani de 1375-1378 e no mapa do cartógrafo veneziano Andrea Bianco de 1436. Surge também no mapa do cartógrafo veneziano Zuane Pizzigano e no mapa anónimo designado por Weimar, ambos de 1424, onde por sinal surgem igualmente o arquipélago dos Açores e as ilhas Antília, Satanazes, Saya e Ymana.
As mesmas ilhas aparecem,com idêntico aspecto, na carta de 1435 do genovês Battista Beccario (onde as ilhas lendárias são clara e implicitamente identificadas com os Açores reais, através da expressão adjunta: "ilhas nova ou recentemente descobertas"), bem como nas cartas de Bartolomeu Pareto, de 1455, e Gracioso Benincasa, de 1470 e 1482.
Hoje, “O´Brasil” é um sobrenome irlandês, proveniente de“Hy Bressail” ou “OBrazil” (que supostamente significa “Ilha Afortunada”), sendo “Brasil”, “Bracil”,“Bracir”, corruptelas do termo original. A ilha surge nos mapas juntamentecom a dos Demônios8 e outras, como Avalon, da lenda do rei Artur, ilha deSão Brandão e Gronelândia. Foi intensamente procurada, inclusive pelo“desconcertante Cristóvão Colombo”, como regista ainda a atrás referidaEnciclopédia.Aqui, desviar-nos-emos precisamente para essa questão da busca de ilhas,mencionadas em livros diversos, que os cartógrafos colocavam nos mapasnão por elas terem sido já descobertas, mas porque um ou mais autores a elastinham aludido A princípio lançadas nos mapas um pouco ao acaso, aos poucosa cartografia, que chegava ao requinte de parar uma linha de costa precisamenteonde terminava a experiência autêntica ou vizualização dela pelos tripulantesde um barco, foi-se tornando mais sofisticada e, por isso, começou-se adesenhar diferentemente as ilhas que figuravam nos mapas apenas por se ouvirdelas em referência livresca ou da tradição oral, distinguindo-as das que eramlá colocadas por terem sido de facto encontradas. As ilhas “míticas” adquiriramformas vagas de rectângulos ou círculos, enquanto o desenho das outras, as jáachadas, procuravam reproduzir com rigor as suas linhas de costa.Reitere-se, portanto, que muitas dessas ilhas surgiam nos mapas não porserem conhecidas, mas porque delas se ouvia falar, graças à referência emlivros e/ou lendas, as mais das vezes em fontes literárias de toda a ordem, emregra sem qualquer rigor histórico. O facto, porém, é que nesse tempo nãohavia critérios rigorosos para se diferenciar alusões míticas das autenticadase, por isso, com frequência as caravelas partiam para o mar à sua procura.Quando passavam sem as encontrar pelo que se supusera ser o local da suaexistência, em vez de as eliminarem, os cartógrafos desviavam-na para outrospontos do mapa. Foi assim que a busca de lugares míticos acabou agindo sobreo imaginário dos navegadores que, numa atitude mental de e tentativa e erro(trial and error) foram corrigindo os mapas existentes aos poucos libertando-osdas ilhas que nunca foram encontradas e que, portanto, eram definitivamenteconsideradas míticas. O exemplo mais típico é o da Antília, sobre que até ogrande cartógrafo Armando Cortesão escreveu um volumoso tratado em que atomou por um lugar real, sugerindo que poderia ser o continente americano. [Páginas 7, 8, 9 e 10 do pdf]