O Capitão, quando eles vieram, estava assentado em uma cadeira, uma alcatifa aos pés por estrado, e bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço. Sancho de Tovar, Simão de Miranda ´Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele imos, assentados no chão, por essa alcatifa. Acenderam-se tochas; entraram, e não fizeram nenhuma menção de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colardo Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar. Como que nos dizia que havia em terra ouro. E também viu um castiçal de prata, e assim mesmo acenava para a terra e então para o castiçal, como que havia também prata. [Página 21]
Mostraram-lhes um papagaio pardo que aqui o Capitão traz; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro, e não fizeram dele menção. Mostraram-lhes uma galinha; quase haviam medo dela, e não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como espantados.
Deram-lhes ali de comer pão e pescado cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada, e, se alguma coisa provavam, lançavam-na logo fora.
Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca e não gostaram dele nada, nem o quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada; tomaram bocados dela, e não beberam; somente lavaram as bocas e lançaram fora. [Página 23]
de borracha; e alguns deles traziam três daqueles bicos, a saber, um na metade e os dois nos cabos.
Aí andavam outros, quartejados de cores, seja metade de sua própria cor, e metade de pintura negra, maneira de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. [Páginas 30 e 31]
À quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo,quase pela manhã, e fomos em terra por maislenha e·água. E, em querendo o Capitão .sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seusdois hóspedes. E por ele não ter ainda comido,puseram-lhe toalhas, e veio-lhe vianda, e comeu.
Os hóspedes, sentaram cada um em suacadeira, e de tudo o que lhes deram comerammui bem, especialmente lacão cozido, frio, e arroz.Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovardizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batele eles conosco. Deu um grumete a um deles umaarmadura grande de porco montês, bem curva.Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço,e porque se lhe não queria segurar, deram-lheuma pouca de cera vermelha. E ele ajeitou-lheseu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima. E vinha tãocontente com ela, como se tivesse uma grandejóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo comela e não apareceu mais aí.
Andariam na praia, quando saímos, oito ou dezdeles; e daí a pouco começaram de vir mais.E parece-me que vieram, este dia, à praia,quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta.Traziam alguns deles arcos e setas que todosderam por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhesdávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lhoavezarem, o beberão de boa vontade.
Andavam todos tão dispostos, tão bem feitose galantes com suas tinturas, que pareciam "´ bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam,com mui boas vontades, e levavam-na aos batéis;e andavam já mais mansos e seguros entrenós, do que nós andávamos entre eles.Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço poreste arvoredo até uma ribeira grandee de muita água, que a nosso parecer, eraesta mesma, que vem ter à praia, e em quenós tomamos água.Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, [Páginas 69, 70 e 71]
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O DESCOBRIMENTO DE PERO VAZ DE CAMINHA - EDUARDO BUENO