UMA COSMOLOGIA DO NOVO MUNDO: OS DIALOGOS GEOGRAFICOS DE JOSEPH BARBOSA DE SÁA NO ANNO DE 1769
2005. Há 19 anos
“nascimento” do arraial de Cuiabá deve ter contado com um ato público, onde foientão lavrado e reduzido a termo, sendo por fim assinado pelo escrivão e por todosaqueles que presenciaram o ato, naquele pequeno arraial, em 1719.Provavelmente, em uma de suas visitas aos arquivos do Senado daCâmara de Cuiabá, José Barbosa de Sá deve ter encontrado a Ata de Fundação deCuiabá, onde pôde manuseá-la, lê-la, e transcrevê-la.Posteriormente, o Senado da Câmara de Cuiabá, em obediência àProvisão Real de 20 de Julho de 1782, providenciou um levantamento cronológicodos principais fatos ocorridos em Cuiabá desde a sua fundação. O encargo daelaboração destes Anais da Cidade ficou por conta de um vereador da época, denome Joaquim da Costa Siqueira, que viu na Relação das povoações de Cuiabá eMato Grosso, bem como na única prova existente de que houve uma ata dafundação do arraial de Cuiabá – ou seja, a transcrição de José Barbosa de Sá – oque podia existir de mais “fiel” em termos da história daquela cidade, no período queabrangia de 1719 a 1775. Dessa maneira, copiou ele não somente a ata transcrita,mas também o histórico relatado por José Barbosa de Sá.Na Viagem ao redor do Brasil,1de João Severiano da Fonseca, encontra-se aassinatura de todos os bandeirantes estabelecidos no arraial cuiabano daquelaépoca. Lembremos ainda que, a ata da fundação de Cuiabá transcrita por Sáencontra-se inserida na Relaçam das povoações do Cuyabá e Matto Grosso. NaRelaçam, José Barbosa de Sá transcreve a Ata como se segue. [p. 21]
“... e juntos os que ficaram, mandaram escrever um aranzel para seu regime que é o seguinte copiado do mesmo original:
Aos oito dias do mês de Abril da era de mil setecentos e dezenove anos neste Arraial do Cuiabá fez junta o Capitão Mór Pascoal Moreira Cabral com os seus companheiros e ele requereu a eles este termo de certidão para noticia do descobrimento novo que achamos no ribeirão do Coxipó invocação de Nossa Senhora da Penha de França depois de foi o nosso enviado o Capitão Antonio Antunes com as amostras que levou do ouro ao Senhor General com a petição do dito capitão mór fez a primeira entrada aonde assistiu um dia e achou pinta de vintém e de dois e de quatro vinténs a meia pataca e a mesma pinta fez na segunda entrada em que assistiu sete dias ele e todos os seus companheiros às suas custas com grandes perdas e riscos em serviço de Sua Real Magestade e como de feito tem perdido oito homens brancos fora negros e para que a todo tempo vá isto a noticia de sua Real Magestade e seus governos para não perderem seus direitos e por assim por ser verdade nós assinamos todos neste termo o qual eu passei bem e fielmente a fé de meu oficio como escrivão deste Arraial. Pascoal Moreira Cabral, Simão Rodrigues Moreira, Manoel dos Santos Coimbra, Manoel Garcia Velho, Baltazar Ribeiro Navarro, Manoel Pedroso Lousano, João de Anhaia Lemos, Francisco de Sequeira, Asenço Fernandes, Diogo Domingues, Manoel Ferreira, Antonio Ribeiro, Alberto Velho Moreira, João Moreira, Manoel Ferreira de Mendonça, Antonio Garcia Velho, Pedro de Godois, José Fernandes, Antonio Moreira, Inácio Pedroso, Manoel Rodrigues Moreira, José Paes da Silva.
No mesmo dia e ano atrás nomeado elegeu o povo em voz alta o Capitão Mór Pascoal Moreira Cabral por seu guarda mór regente até ordem do senhor General para poder guardar todos os ribeiros de ouro, socavar e examinar e composições aos mineiros e botar bandeiras tanto a minas como nos inimigos bárbaros e visto elegerem ao dito lhe acatarão o respeito que poderá tirar auto contra aqueles que forem régulos com é amotinador e aleves que expulsará e perderá todos os seus direitos e mandará pagar dívidas e que nenhum se recolherá até que venha o nosso enviado o Capitão Antonio Antunes de que todos levamos a bem hoje oito de abril de mil setecentos e dezenove anos eu Manoel dos Santos Coimbra escrivão do Arraial que escrevi, Pascoal Moreira Cabral”. [p. 22]
Porém, apesar das notícias quinhentistas espanholas, as primeiras incursõesde vassalos de Portugal em terras do pantanal tinham como intenção primeira acaptura de indígenas para a venda como mão de obra escrava nas Capitanias. Oprimeiro descendente de europeus a percorrer o próprio rio Cuiabá, Antonio Pires deCampos, por lá andou não em busca de ouro, mas sim a captura do “gentio”Coxiponé, que vivia nas margens deste rio.
O segundo foi Pascoal Moreira Cabral, que na barra do rio Coxipó-Mirim encontrou, em 1718, pequenos grânulos de ouro cravados nos barrancos. A partir dali, subiu o rio até o lugar que depois receberia o nome de Forquilha, onde teria ele capturado “gentios” com detalhes de ouro nosbotoques e adornos. (SÁ, 1908: pp. 5-58)
As incursões pelas planícies alagadas do Pantanal com destino as minas doCuiabá seriam então chamadas Monções. Ao que parece a palavra monção,segundo Sérgio Buarque de Holanda, teria sua origem em algum dialeto árabe(Holanda, 1957: p. 162), tendo a mesma se generalizado entre os marujosportugueses durante as grandes navegações que, pela primeira vez se dirigiam aoOriente. Entre os marinheiros lusitanos a monção era usada para designar os ventosalternados que determinavam qual a melhor época para se navegar no oceanoÍndico. Ao que tudo indica, este não era o significado que a palavra monção viria areceber na Capitania de São Paulo. Porém, façamos uma ressalva, a de que mesmoem Portugal, com o tempo, monção viria a designar tão somente as estaçõesadequadas às viagens, ou os períodos do ano em que sopravam os bons ventos ànavegação. Apesar da vela jamais ter sido usada nas navegações pelos paulistas,estes adotaram a monção como designativo dos meses mais propícios durante oano para se navegar os rios que levavam até o Pantanal. [p. 36]