' HISTÓRIA DO BRASIL DE MURILO MENDES: travessia para o conhecimento. Por José Alberto Pinho Neves - 01/01/2016 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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HISTÓRIA DO BRASIL DE MURILO MENDES: travessia para o conhecimento. Por José Alberto Pinho Neves
2016. Há 8 anos
trouxe a tempestade a Pedro Alvares Cabral a descubrir o Brazil(PITTA, 1730: 6).Cotejando as escritas históricas sobre o acontecimento, Pero MagalhãesGândavo sustenta que a chegada de Cabral à Ilha de Santa Cruz se deve ao desviointencional da rota de modo a evitar as calmarias da Guiné, enquanto Frei Vicentedo Salvador alega simplesmente um desvio da rota.Essa discussão sobre a incerteza da casualidade do achamento, à época dahistória de Rocha Pitta, era pauta comprometedora da Academia Real de HistóriaPortuguesa. Outra controvérsia, a princípio, referia-s “Br s l”, p ssabemos que Pero Vaz de Caminha, ao término de sua carta ao El Rey, escreve:“D s Pôr S g r , ss Ilh V r r z, h j , s x -feira, primeiro dia de 1500” ( AMINHA, 1943: 241).Gând S l r cr “Br s l” à x s ê c c rc l z çãda madeira da árvore Pau-Brasil no Oriente. Rocha Pitta aceita essa tese, embora lg s pr b b l c rr r ís c “ lh Br s l”, qintegrava o repertório de lendas da idade Média sobre ilhas afortunadas do Atlântico,como no caso da Atlântica.

No foco dos encontros dos lusos com os gentios originais da terra, RochaPitta confere evidência ao episódio mítico do Caramuru (Diogo Álvares Correia),acontecido, em 1510, na Bahia. Essa importante personagem no assentamento doelo entre lusos e indígenas não consta no texto de Pero Magalhães Gândavo. RochaPitta, ao escrever o fato, se apropria da base textual de Frei Vicente do Salvador.Assim, o historiador poeta vai dando seguimento aos acontecimentos tradicionais da a "historiografia portuguesa" até o ano de 1722. Usamos a qualificação de "historiografia portuguesa" por nos parecer que a intenção de Rocha Pitta fosse traçar uma história da possessão portuguesa, daí intercalar ocorrências da história lusa, como atenta Roger Lee Pessoa de Jesus em "A História da América Portugueza (1730) de Sebastião da Rocha Pitta: o contexto, o autor, e a obra", que observa curioso a colocação de D. João IV no lugar de D. Sebastião, pelo historiador:

Este era o verdadeiro Sebastião, por quem tanto suspiravão os Portuguezes na antonomazia de Sebastianistas, disfarçando com a vinda de hum Rey desapparecido, a ancia de outro Rey desejado(PITTA, 1730: 284). [p. 125]

Nos parágrafos 12 e 13 da pág 284, R ch P g “ ss , rde um rei em dois corpos [...] como também o afirma anteriormente o Padre AntônioV r ” (JESUS, 2011: 157). D J ã IV r f O desejado q “s ír ”nobreza para liderar uma Nação independente, nasc r , “ s [...] ss l p rtyrannia, ganhando a coroa que [...] estava violentada em outra cabeça, e separandoo Reyno daquelle corpo, que intentou reduzillo a hum pequeno membro, fazendo-oPr í c ” (JESUS, 2011: 157).No tocante às questões da Igreja, Rocha Pitta analisa a chegada e evoluçãoda Companhia de Jesus no Novo Mundo:[...] ao tempo que os soldados comquistavão terras, ganhavão estesnovos guerreiros almas, e ainda além do que penetrávamos comarmas, chegavão elles com o espírito, affervorando aos Catholicos, ecompondo-os nas suas differencas, cathequizando aos gentios, efazendo-os deixar as suas barbaridades, e outras das vexações, ecurando em todas as enfermidades do corpo e da alma (PITTA,1730: 147-148).Enfoca também o interesse da Coroa na missionação, apontando que D. JoãoIII “[...] p h s h l c z l pr z , ss s rr s, c salmas do Brazil, e conseguio ambos os triumfos, trazendo tantas ovelhas ao rebanhodo Universal Pastor, como súditos ao jugo de s í ” (PITTA, 1730: 56).A persistente ideia do Brasil enquanto éden implicava saber que a terraperfeita e livre de pecados, recomendável à morada, certificava testemunho dasmãos divinas na formação das terras do Novo Mundo.

Alusivos aos "mitos de origem" de cunho religioso, em História do Brasil (1500-1627), de Frei Vicente do Salvador, detectamos referência à passagem de um Santo pelo Brasil, o apóstolo São Tomé, que também, segundo crença religiosa, teria passado pela Índia. Narra o frei-historiador que, na tradição antiga entre os povos originários (os índios):

que veio o bem-aventurado apóstolo São Tomé a esta Bahia, e lhes deu a planta da mandioca e das bananas de São Tomé, de que temos tratado no primeiro livro; e eles, em paga deste benefício e de lhes ensinar que adorassem e servissem a Deus e não ao demônio, que não tivessem mais de uma mulher nem comessem carne humana, o quiseram matar e comer, seguindo-o com efeito até uma praia donde o santo se passou de uma passada à Ilha Maré, distância de meia légua, e daí não sabem pro onde. (SALVADOR, 1965: 125).

Nos parágrafos 102 e 104, que pontuam razões sobre a vinda do glorioso apóstolo, Rocha Pitta registra a passagem do apóstolo, alcunhado pelos índios de Sumê:

A vinda do glorioso Apóstolo S. Tomé, annunciando a doutrina Catholica, não só no Brasil, mas em toda a América, tem mais razões para se crer que para se duvidar; pois mandando Christo Senhornosso aos seus sagrados Apóstolos, prégar o Euangelho a todas as creaturas, e por todo o Mundo, não consta, que algum dos outros viesse a esta Região, tantos séculos habitada antes da nossaRedempcão; e depois de remidas tantas Almas, não devião ficar mil e quinhentos annos em ignorância invencível da Ley da Graça; e posto que nas fontes tocasse a este Santo Apóstolo a missão daEthiopia, e da India, e se não falle na América (então por descubrir) não se póde imaginar, que faltasse a provindencia de Deus e estas cr r s c pr g cã , q r f z r s” (PITTA, 1730: 61 [parágrafo 102] ).

De ser o Apostolo S. Tomé, o que no Mundo Novo prégou a doutrina Evangélica ha provas grandes, com o testemunho de muitos finaes em ambas as Americas: na Castelhana, aquelas duas cruzes que emdifferentes lugares acharão os Espanhoes com letras e figuras, que escrevem Joachim Brulio, Gregorio Garcia, Fernando Pissarro, Justo Lipsio, e o Bispo de Chiapa; e nossa Portugueza America, a finaesdo seu báculo, e de seus pés, e a tradição antiga, e constante em todos estes gentios, de que virão de hum homem de largas barbas, a quem com pouca corrupcão chamavão no seu idioma Sumê,accrescentando, lhes viera a ensinar cousas da outra vida, e que não sendo delles ouvido, o fizerão ausentar
(PITTA, 1730: 62 [parágrafo104]).

Percebemos narrativas de crenças religiosas em outros acontecimentos dahistória brasileira. Credita-se, como escreve Rocha Pitta no parágrafo 104, que aconquista de Pernambuco pelos holandeses se deve a pouca convicção na Religião; q “ r c q s p r g s q l rr s r r-se-ia também como actodivino, pela restauração de 1640 (não esqueçam a questão do mito de Ourique) ec r s pr s s h l s s” (JESUS, 2011: 160).Rocha Pitta enumera outros episódios em que o profano ladeia o sagrado evice-versa, inclusive com imposição de penas divinas aos descrentes na fé. Ao ér X, pág l “Pr s çã ”, h s r r pr s sjustifica quanto às matérias de cunho religioso, ponderando a submissão da obra àc s r “S Igr j h l c R ”:Protesta o Author desta Historia, que as matérias, que tocarem aapparicões, ou pareccerem milagres, e successos sobrenaturaestrazidos nella, que o que se deve dar a huma História, puramentehumana, e que toda esta obra regeita à censura da Santa IgrejaCatholica Romana, e se conforma com os Decretos Pontifícios, emespecial com os do Santo Padre Urbano VIII e a todos, em tudo, epor tudo se reporta (PITTA, 1730: 657).Na abordagem da Igreja, a similaridade de Rocha Pitta e Pero Gândavo,Murilo Mendes disserta quanto à existência do apóstolo São Tomé no poema“T s S é” :[p. 126, 127 e 128]

No quinto poema-piada, recorre à mitologia indígena e foca o herói civilizadorSumé, filho de Jaci, a Lua, irmã e esposa de Coaraci, o Sol, personagem misteriosoque circulou entre os índios antes do Descobrimento do Brasil. Sumé foi identificadopelos jesuítas como São Tomé. O santo, segundo a lenda, na sua passagemfantasiosa pelo Brasil, trouxe para os habitantes da Pindorama a mandioca e asbananas. Por princípios, opôs-se à poligamia e ao canibalismo, sendo perseguido pelos indígenas sumiu, aparecendo na Índia, onde se tornou o Apóstolo do Oriente.Padre Manuel de Nóbrega, numa das suas Cartas do Brasil (1549), conta ter visto,junto a um rio, quatro fortes vestígios de pés explicados pelos indígenas comopertencentes a Sumé, deixados quando ia fugindo deles durante a perseguição.Aficionado pela cultura popular e folclore brasileiro, o modernista Mário de Andradealude ao pezão de Sumé no quinto capítulo de Macunaíma, o herói sem nenhumcaráter (1928):Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio umac ch ’ág . E a cova era que nem marca dum pé gigante.Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da águaentrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantadaporque aquele buraco na lapa era a marca do pezão do Sumé, dotempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiadabrasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e deolhos azuizinhos, água lavara o petrume dele. (1965: 42)Neste poema-piada de inspiração indígena, o poeta pontua o texto dediversas expressões indígenas: igara (tupi i´ara "s h r ág ”), c í , fde casca de árvore; caapora (tupi kaa´pora " q há ”); curupira (tupikurum´pir "p s l ”), q h b s s, p r c ç c ípés virados, calcanhar para frente e dedos para trás; taba (tupi tawa "aldeia"), aldeiados índios; canitar, adorno de penas que os índios usavam na cabeça; botoque,“ r f r gr r l , p r s r f f r s r f c s f sbeiço inferior, narinas e lóbulos das or lh s”.Os indígenas usuários do botoque, ainda que linguisticamente distintos,recebiam a denominação de botocudos; maracá (tupi mbaraká) chocalho usado emcerimônias religiosas e guerreiras; poracê, dança religiosa; muçurana, corda defibras vegetais com que os índios atavam os prisioneiros destinados ao sacrifício;cauim (tupi kawi, "b b pr p r c c f r ”).Sobre conhecimento folclórico integrante do poema, convém recordarmos queo poeta, no passado, foi aluno do grande folclorista Lindolfo Gomes, de reconhecimento nacional. [p. 130 e 131]

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