Debates Paralelos, volume 16/2021 - Viver História
2021. Há 3 anos
Notas
Aleixo Garcia - Não é conhecida a data de nascimento do marujo alentejano, o que não é novidade historiográfica pelo pouco que faz a Academia lusa pela História portuguesa. Sabe-se, entretanto, que conviveu com o judeu castelhano dito "Bacharel de Cananeia" ao tempo em que este edificava a aldeia Gohayó com os nativos guaranis após saírem de Ilha Comprida na direção norte, para um lugar de melhor acomodação rural e piscatória, e onde levantaram o Porto das Naus. Mais tarde, Gohayó foi tomada por Tomé de Souza que a transformou em Vila de São Vicente e sede da capitania após derrotar os castelhanos apoiados pelo Bacharel e dar fim ao "ponto sul tordesilhano".
Cerca de 1524, Aleixo Garcia sobreviveu à investida de nativos que devoraram o castelhano Sólis e parte dos seus homens; e foi entre os guaranis que ele soube da "cidade do ouro" e com eles saiu de Meiembipe a caminho do Piabiyu (a malha de trilhas inca-guarani que levava ao Peru desde o Planalto de Piratininga passando por Meiembipe), sendo o primeiro europeu a ter contato com o Império Inca. [p. 16]
No início do século 16, o que leva um judeu apostasiado, ou cristão-novo, a incentivar uma tribo guarani da Maratayama (q.s. "lagamar") a largar a tradição e buscar uma região de melhor cultivo para sustento adequado (ou, no velho hebraico: "gohayó")...?
Sabe-se que entre 1493 e 1499, tanto o português Duarte Pacheco Pereira (cosmógrafo do rei João II) como o castelhano Pinzon fazem prospecções numa tal "Ilha do Brasil, ou Brandam", registrada na Biblioteca Secreta do Vaticano em 1343 pelo rei Afonso IV, enquanto se discute o Tratado de Tordesilhas (1494) e, na mesma época, o rei João II autoriza portugueses a se deslocarem para a "ilha", e um deles é João Ramalho, que escolhe a ponta sul.
O castelhano Pinzon, que também participa da odisseia frustrada de Colombo (ele queria ir à Índia, mas foi aportar na depois chamada América, e por isso denominou os povos de "índios"), vai aportar primeiro ao largo da foz do Ryo Siará, o que indica ter tido conhecimento do "acaso de Sancho Brandam, da Marinha Mercante do rei Afonso IV..."
Ouvidor na feitoria de São Tomé, no golfo guineense, Cosme Fernandes é um bacharel formado na Universidade de Salamanca, e quando decide ser ele-mesmo o ponto sul da Linha de Tordesilhas o faz com a consciência de um castelhano que vai à luta por Isabel (a Católica) e não por João II, cuspindo no prato e na liberdade que dele recebera; mas, já sob o mando de Manuel I e aproveita uma das embarcações que passa pelo golfo para embarcar ao final do século 15 com outros marujos, entre os quais Aleixo Garcia. Não está só nem desembarca solitário à Maratayama: "Aqui serei senhor de mim", deve ter pensado no deslumbramento da visão oceânica sobre o mar de morros. O certo é que pensa e assim o faz: em pouco tempo conquista as graças de caciques guaranis, de quem recebe filhas para "cruzar" sangues, e deles sabe do Piabiyu, a rota inca-guarani, das pedras que brilham nos riachos e de terras boas mais a norte, em outra enseada, na ponta da Paranapiacaba e tocar o Cubatão.
E alí monta com os guaranis a Aldeia Gohayó e o Porto das Naus. E também recebe outra notícia: outro branco circula entre Cubatão e Piratininga. Percebe que o Porto das Naus é o ponto de intermediação com as embarcações castelhanas que circulam entre a Guanabara, a norte, e a Meiembipe, a sul.
E que entre as aldeias Coacaya, na Paranapiacaba e na Jaguamimbaba, e outra além muito e a norte e perto do Ryo Siará, há um mundo imenso a percorrer nas encruzilhadas do Piabiyu.
Durante três décadas, o Bacharel torna-se o rei da ponta sul da Linha tordesilhana, enquanto Ramalho é um lusitano integrado aos costumes tupis-guaranis serra acima. Maz faz intermediação entre nativos e portugueses que desembarcam pelo Porto das Naus ou na ponta d´Itapema.
Não se sabe os quês da designação "cubatão", que para os portugueses é "vila fortificada", mas o certo é que o governador Martim Afonso de Souza faz doação de terras sesmeiras a um tal de Ruy Pinto na "barra do Cubatão" em 1533. Talvez porque a aldeia nativa ali tem a defesa natural da serra, ou ali já existam fogos d´assentamento português serra acima.
Também, 30 anos depois do desembarque de João Ramalho e do Bacharel em locais diferentes do ponto sul da Linha tordesilhana, existem dois focos mamelucos: um serra acima (filharada de Ramalho), outro na lâmina d´oceano (filharada do Bacharel e outros marujos). Cresce, então, a Raça Mameluca.
Eis que não se pode estranhar que alguém solicite terras no Cubatão, pois, possivelmente casais mamelucos iniciam suas vidas também na região da barra.
As habituais guerrilhas entre tribos nativas ainda atordoam os portugueses e a gente mameluca da Gohayó / Porto das Naus quando ao longe surge a armada de Martim Afonso de Sousa, fidalgo e, diz-se, amigo do rei.
Corre o ano 1530. Entre os anos 1520 e 1530, o Bacharel estabelece uma rede mercantil, pelo Piabiyu serra acima e pelos portos até Meiembipe, que o faz senhor da costa sul. Ele tem acesso às pedras que brilham entre o cascalho nos riachos acima da Maratayama. [p. 17, 18, 19]