Professor Darcy Ribeiro, o senhor vivei momentos extremamente agitados no Brasil de 1962 e 1963, onde duas das figuras dominantes da política brasileira eram o então já ex-presidente Jânio Quadros e o então deputado federal Leonel Brizola. Tantos anos depois existe a possibilidade, bastante concreta de, a próxima sucessão presidencial ser polarizada pelos mesmos dois nomes. Candidato a presidente de um lado, Leonel Brizola, candidato a presidente de outro. O que impede a renovação da política brasileira?
Darcy Ribeiro - É um pouco malicioso o seu juízo. Por que esses dois não deviam estar aí? na realidade eu fui ministro com menos de 40 anos e eu sinto falta hoje do que era equivalente a minha geração. Eu fui ministro duas vezes com idade relativamente jovem. Outra pergunta, onde estão esses jovens? A ditadura matou, impediu que uma geração aparecesse, isso é que faz com que políticos da minha geração, como Brizola. Brizola tem a mesma idade que eu estejam de novo presente, estejam numa posição proeminente, que podia ter sido ocupada por gente mais jovem.
Pergunta - Quantas anos o senhor tem professor?
Darcy Ribeiro - 65, merecia ter muito menos. O presidente Jânio Quadros também não era ... foi um presidentes dos mais operosos. A imagem que eu tenho do presidente Jânio Quadros não é uma imagem corrente. Há uma tendência a caracterizar a figura dele, mas eu o conheci, trabalhei com ele, como um homem competente. É claro que não se compara com a figura do Brizola, líder do meu partido, que é outra coisa.
Pergunta - Professor, antes que os entrevistadores entrem na Roda, eu queria insistir por outro ângulo. Na Espanha nós tivemos décadas de ditadura franquista e, no entanto, o senhor assistia surgir, dentro e fora do país a emergência de políticos hoje decisivos na vida espanhola, como Felipe Gonzalez Adolfo Soares. Adolfo Soares dentro do país, Felipe Gonzalez fora. Por que que no Brasil isso não aconteceu, apesar da ditadura? Só a ditadura explica por inteiro a ausência de novas lideranças?
Darcy Ribeiro - Olha, na Espanha também, a coisa foi séria. Na realidade o partido socialista é velho do que devia ser. O conjunto das lideranças, os prefeitos, o prefeito de Madrid, o conjunto das lideranças é mais velho que o comum. A mesma coisa ocorre em Portugal também. Uma ditadura é uma coisa atroz, é uma enfermidade que ataca um país e a forma de atacar é ... é impedir que novas gerações se sucedam. Há quadros novos surgindo aí, agora, mas é difícil que o povo chegue a tomar conhecimento dela, que ela chegue a representar um papel mais destacado. Realmente esta é uma questão muito séria. Nós precisamos de renovação no Brasil. Nós precisamos de quadros políticos capazes de retomar linhas históricas e de introduzir linhas novas também, e que representem a energia que nós representamos. Eu sou um político que volto representando as posições que eu tive em 1964. Aquelas pessoas estão vivas por que? O governo de João Goulart não caiu por seus defeitos, ele foi derrubado por suas qualidades.
... Os militares são absolutamente indispensáveis, só que, a regra fundamental, a regra que um militar deve obediência total, é de que, tendo o monopólio do uso da violência, tendo o monopólio das armas, não pode usar as armas contra a cidadania, não pode usar as armas contra o povo.
...João Vitor Strauss, jornalista da Band - Eu queria fazer a pergunta, talvez mais ou cientista social, político, antropólogo, do que propriamente ao político. O senhor frequentemente coloca toda a responsabilidade das classes dominantes, que nós podemos dizer, de todas nações fracassadas na História, como o senhor usa essa expressão no "Processo Civilizatório", eu perguntaria ao senhor: e do lado da sociedade? Quer dizer, que processo diabólico se passa entre nós que nos impede de, sei lá, forçarmos essas classes dominantes a ter uma atitude, um comportamento diferente, como os outros países, os outros povos, conseguiram fazer com suas classes dominantes?
Darcy Ribeiro - Eu acho que o nosso país é um país enfermo de desigualdade, de brutalidade, e de perversidade. Você pode dizer que são expressões adjetivas, sem muita significação. Eu me perguntei muitas vezes o que é isso. A única resposta que eu tenho é a seguinte: uma nação, em que a classe dominante é de filhos descendentes de Senhor de escravos, leva na alma um pendor, um calejamento do Senhor de escravo. Quem é o Senhor de escravo? É aquele que compra um homem e o negócio dele é tirar com chicote, desse homem, a renda que esse homem pode dar, num certo tempo que ele viva. Enquanto o escravo está condenado a lutar por sua liberdade e ir para o quilombo, o senhor de escravo é o contrário, está condicionado a usar o escravo como carvão que se queima para produção, para ter mais lucro. Uma classe dominante de Senhor de escravos ela está marcada por esta natureza. Quando, além do Senhor de escravos, tem representantes de interesses ingleses, depois interesses norte-americanos, é um corpo de, não é nem de proprietários, é de gerentes, é de senhor que representa aquela ... esse conjunto de classes dominantes, em que o setor predominante é o conjunto de empresários ou gerentes estrangeiros, é uma classe simplesmente pervertida.Veja o exemplo, os EUA faz uma lei de Terras em 1860 (1862), que hoje equivale a lei de terras que temos no Brasil. A Lei de Terras Homestead norte-americana, você vê nos filmes de faroeste, quando aquelas carretas vão para o oeste, não vão caçar índios não. Quem fosse para o oeste, fizesse uma casa, uma roça e vivesse ali 5 anos, podia demarcar 120 acres, que são 30 hectares. A lei norte-americana abriu espaço para milhões de famílias se se instalarem com pequenos granjeiros. E o que ocorre no Brasil? A sabedoria da classe dominante, pervertida brasileira, declara que a posse não dá direito a propriedade, confirmam a posse,