| | | Rios - Vários rios mais ou menos caudalosos nascem e correm no sertão da Capitania, sendo três os mais consideráveis. Destes é o primeiro o rio de São Francisco, que tem sua origem na falda de leste das serras de Curitiba; recebe as águas do rio de São João, do Palmital, do Jacaré, do Caxoeira, e de outros muitos; e depois de engrossado por eles vai depositar as suas águas na grande bacia, ou para melhor dizer no braço de mar, que cerca toda a ilha do rio de São Francisco, e que se comunica com o mesmo mar por duas barras diferentes, que distão uma de outra quatro a cindo léguas; cuja distância é banhada pelo mar Oceano, e forma o costão de leste da sobredita ilha lançado de norte a sul: a barra do norte está pela latitude de 26° 15´; por ela se entra para o porto da vila do rio de São Francisco, do qual porto mais abaixo tratarei: a barra do sul chamada de Araquarim, apenas tem 230 braças de largo, e muito pouco fundo, de maneira que por ela somente podem entrar lanchas. Defronte, e pouco para o norte desta barra de Araquarim estão três ilhas próximas á costa, a que chamam Ilhas do Remédio; e para o norte destas estão as quatro Ilhas dos Tamboretes.
O segundo rio é o Tajabi, que nasce no sertão que hoje pertence á Capitania de São Paulo; e diz-se que atravessa o caminho, que vai da Curitiba para o continente do Rio Grande (o que não afirmo): este rio recebe por ambas as suas margens outros muitos do sertão de Santa Catarina, sendo pela do sul que lhe entra o rio de Tajahi-merin, que tem as suas cabeceiras nas vizinhanças das faldas de leste da referida Serra Geral, e do campo do Governador, e corre para o norte entre aquela Serra e o campo da Boa-vista: o Tajabi vai confluir no Oceano pela latitude de 26° 58´, aonde forma um pequeno e seguro porto com barra, em que podem entrar Curvetas.
O terceiro é o rio Tubarão, que tem as suas nascentes na face de leste da predita Serra Geral pela latitude de 28° 1/4 a 29°: neste rio confluem outros pouco notáveis, por ambas as suas margens, e depois de engrossado por eles vai depositar as suas águas na grande Lagoa, ou Laguna em um lugar fronteiro á barra, que comunica esta com o Oceano, na latitude de 28° 45´. Os três rios sobreditos são perenes e caudalosos, e nos tempos de chuvas mui rápida e perigosa é a sua corrente.
Os outros rios menos consideráveis são (começando pelo norte) o Itapecú, que nasce no sertão, e vem desaguar na lagoa do mesmo nome, a qual comunica com o Oceano por uma barra, que tem pouco mais de 15 braças de vão, e nove palmos de fundo, duas léguas e um quarto para o sul da referida barra de Araquarim. [p. 30, 31]
Lagoas - A única lagoa considerável que há em toda a Capitania, é aquela geralmente conhecida pelo nome de Laguna, a qual considerada ma sua maior extensão, de norte a sul não tem mais de quatro léguas, e uma com pouca diferença na sua maior largura de leste a oeste, e bastante fundo em alguns lugares. Ali vão depositar suas águas, além do rio Tubarão de qu ejá falei, os rios Parobés, e das Garças, o do Chiqueiro, o de Una, e outros muitos. Comunica a Laguna pelo seu extremo do sul com a lagoa de Santa Marta, esta com a do Camaxo, e esta com a de Garopaba, por canaes naturais em direção quase paralela á costa do mar, não muito distante desta; circunstância muito vantajosa para a agricultura dos terrenos vizinhos áquelas três lagoas, as quais são navegáveis, bem como a grande Laguna, em todo o ano. Há outra lagoa na terra firme pouco digna de atenção, que é a de Itapecú, onde deságua o rio do mesmo nome, de que já falei: na Ilha há duas lagoas pouco notáveis. [p. 33, 34]
Pelo que respeita ás comunicações interiores, observarei aqui de passagem que a mais útil e necessária é aquela, que se deverá abrir pelo sertão para comunicar a beira-mar desta Capitania com a parte mais meridional da Capitania de São Paulo. Sobre a estrada geral, que vai da Cidade deste nome até o Rio-grande, está situada a vila das Lages, quase na mesma latitude da ponta do sul da Ilha de Santa Catharina, e na distância desta de 24 léguas em linha reta, mais ou menos: por tanto abrindo-se uma estrada deste o estreito, que separa a sobredita Ilha da terra firme, até á indicada vila das Lages (como já houve) resultado desta comunicação utilidades assaz manifestas; pois por meio dela se promoverá e facilitará a povoação e cultura dos férteis e incultos territórios, que formam a parte setentrional da Capitania do Rio-Grande, e a meridional da de São Paulo, e também a parte central da de Santa Catharina; de maneira que as três Capitanias são interessadas nesta comunicação, que necessariamente deverá aumentar a riqueza e prosperidade de todas elas.
Sobre a povoação e cultura dos campos de Guarapuava, e da parte meridional da Capitania de São Paulo da Curitiba para o sul, já se tomaram medidas administrativas, e sobre este objeto se expediam ao Capitão General daquela Capitania a Carta Régia de 5 de novembro de 1808: estou persuadido de que os resultados daquelas medidas não serão úteis em quanto elas não se fizerem transcendentes ao sertão da Capitania de Santa Catharina, que é muito mais próximo á Vila das Lages, e á estrada de que fala a Carta Régia, que a Cidade de São Paulo, e mesmo a Curitiba; porque desta áquela contam no país cem léguas, e quase outras tantas, contam da Curitiba a Lages, quando desta vila a Santa Catharina (a ilha) são apenas 24 em linha reta, e serão quanto muito 30 sobre o terreno da estrada que se abrir.
A posição da vila das Lages é mui vantajosa para ali se estabelecer um depósito do comércio interno dos indicados territórios, pois que os seus habitantes não tendo portos de mar cômodos e frequentados senão a uma distância excessiva, serão obrigados pelo seu próprio interesse a levarem os produtos da sua agricultura e industria á sobredita villa, donde em 5 ou 6 dias de jornada os podiam também levar á Ilha de Santa Catharina (como já acontece) na certeza de acharem ali favorável mercado.
Os habitantes dos sobreditos territórios, situados dentro dos paralelos de 26 e 29°, não tem porto de mar mais próximo, que o da Ilha de Santa Catharina, que seja apto para um favorável mercado, ou pronta exportação: os que ficam menos distantes do paralelo 26°, poderiam ir ao Rio de São Francisco, mas não tem caminho pelo sertão em direitura; e para irem a Pernagoá era-lhes indispensável atravessar as serras de Curitiba, por tanto nada poupavam de jornada: os mais próximos ao paralelo de 29° suceder-lhes-ia outro tanto, se fosse á Villa da Laguna; porém nenhum destes portos é frequentado; logo o de Santa Catharina é o mais comodo para uns e outros habitantes. [p. 78]
O Marquês do Lavradio quando foi Vice-Rei deste Estado conheceu bem a necessidade e importância desta estrada de comunicação, porém foram causa de se não empreender a sua abertura a guerra do sul em 1777, e o pouco tempo que depois dela findar ele se demorou no governo; mas o seu sucessos Luiz de Vasconcelos e Souza conhecendo igualmente aquela necessidade e importância, que assaz lhe fez ver o infatigável e zeloso Governador interino da Capitania, José Pereira Pinto, mandou que se abrisse a sobredita estrada por ordem de 31 de outubro de 1787, tendo precedido as necessárias indagações sobre o terreno por onde devia passar.
Arremataram a sua fatura Antonio José da Costa, e Antonio Marques de Arzão, pela quantia de vinte e quatro mil cruzados; principiou-se a obra em 14 de novembro de 1788, e ultimou-se em 6 de dezembro de 1790, fazendo entrega ao Procurador da Câmara da Vila Capital da extensão de 16 léguas e 560 braças de caminho medidos á corda sobre o terreno, desde a guarda de Maruhi, 3 léguas para oeste do estreito que separa a Ilha da terra firme, até o lugar chamado Castello-melhor, ao poente da Serra Geral, situado na fronteira da Capitania de Santa Catharina com a de São Paulo.
Do referido lugar de Castello-melhor até á Vila das Lages ainda há algumas léguas, porém todo o terreno é um vasto campo com pequenos capões de mato, aonde já havia algumas fazendas ou estâncias de gado; por todo aquele campo já havia um caminho trilhado, que ia da vila de Lages até á Serra Geral, e por isso até aqui se abriu a estrada pelo sertão da Capítania de Santa Catharina. [p. 86, 87]
A medida, que indiquei em terceiro lugar, isto é, a abertura, a povoação, e cultura da estrada para a vila das Lages, é (como tenho mostrado) utilíssima, e talvez a mais interessado para a Capitania; mas para que ela se realize com melhor sistema, do que aquele que se aegiu e adotou com a estrada que se abriu em 1788, e depois se deixou fechar, ouso propor um método de que a meu parecer ainda ninguém se lembrou para aquele fim, e é o seguinte:
Deve estabelecer-se na vila Capital da Ilha de Santa Catharina uma Companhia de Acionistas, que se encarregará e mandará abrir a indicada estrada desde a Beira-mar até á vila das Lages; povoa-la toda por ambos os lados, estabelecer os arraiais ou Freguesias precisas, e tudo o mais que for necessário a conservação e prosperidade deste útil estabelecimento, o que tudo deve fazer-se á sua custa, e debaixo da sua administração, e direção; de tal maneira, que a Fazenda Real não haja de ter ingerência alguma naquela administração: intitular-se-a esta Companhia - Companhia de agricultura e melhoramento da Capitania de Santa Catharina: o seu fundo será de cento e setenta mil cruzados, em moeda metálica: a sua duração não será por menor tempo de que o de vinte anos, e os seus estatutos serão feitos por ela, e propostos ao Soberano, sem a aprovação do qual não poderão ter efeito, nem validade: eis-aqui em resumo as bases da criação desta Companhia. As suas obrigações, lucros, privilégios, isenções, prêmios honorários; e outro sim o Plano com que deve abrir-se e povoar-se a estrada, a sua mais útil direção políticfa e militarmente considerada...
Esta estrada deve precisamente ir passar pelo campo da Boa-vista, de que já falei quando fiz a descrição física da Capitania, porque á entrada para este campo há um lugar mui defensível pela natureza, que deverá servir de fecho e de defesa a esta estrada; e porque a outra que se abriu em 1788 passava pelo dito campo, sabe-se já a distância dele até ao estreito, que são 13 léguas sobre o terreno, das quais diminuindo três de caminho que já existia há mais anos desde o mesmo estreito até á guarda de Maruhi, restam dez, que realmente foram as que se abriram de estrada, e se mediram em 1788 desde aquela guarda até ao indicado campo da Boa-vista.
Igualmente deve ir sair a este campo a comunicação que se abrir do Rio de São Francisco para a Laguna; pelo rio Tajahi, para igualmente ficar fechada, e defendida neste importante lugar, onde deverá haver fortificação própria do terreno, tropa, e povoação. Há porém outro lugar á Beira-mar, que talvez seja mais próprio e útil para se da princípio, e nova direção a esta estrada até encontrar o dito campo da Boa-vista, por ser menos distante dele: é este lugar a foz do rio Cubatão, que fica quase leste-oeste com, aquele campo; podendo aproveitar-se a navegação deste rio até á sua Itaupába, ou primeira Cachoeira, duas léguas acima da sua foz: disto tratarei no Apêndice. [p. 99, 100]
Do campo da Boa-vista para Oeste até ao lugar da guarda de Castello-melhor, aonde acabava a sobredita estrada, continha esta seis léguas e meia, sobre o terreno: daquela guarda até á vila das Lages, não se fez estrada, porque já havia caminho muito trilhado, ao qual dão os sertanejos, geralmente, treze léguas de distância sobre o terreno, ainda que Antonio Marques Arzão diz que medira quinze;
Esta medição é duvidosa, porque Arzão foi um dos arrematantes da obra da estrada em 1788, e por isso é suspeito neste caso; suspeição fundada no princípio geral de que os homens preferem muitas vezes os seus interesses á verdade. [p. 117] | |