' A Utilização Da História No Decorrer Da Conquista Da América. Prof. Dr. Adailson José Rui Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL-MG* - 01/06/2010 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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A Utilização Da História No Decorrer Da Conquista Da América. Prof. Dr. Adailson José Rui Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL-MG
junho de 2010. Há 14 anos
O fragmento em epígrafe faz parte da dedicatória da obra História del Peru,preparada por Diego Fernandez e dedicada ao rei da Espanha, Felipe II (1556-1598). Nele temos uma primeira ideia do valor atribuído ao longo do século XVI, àHistória. Ela traz a verdade, mantém a memória viva e ensina. Esses aspectosindicam a manutenção do conceito clássico de História cunhado por Heródoto:História magistra vitae (mestra da vida). Diego Fernandez, ao valorizar ohistoriador pelo trabalho que desempenha aponta para o uso político da História,como prática que se manifesta em diferentes formas. Neste artigo apresentamosalgumas delas.1- Funções da históriaDando continuidade à perspectiva desenvolvida na Antiguidade e na IdadeMédia de se fazer uso da História como instrumento que permitia a construção damemória histórica de forma a sustentar os interesses do presente, na América doséculo XVI, a História foi utilizada como instrumento manipulado quepossibilitava perpetuar a memória dos grandes feitos; como mecanismo quepermitia mostrar e divulgar as heróicas realizações de algumas personalidadesou dos grupos aos quais elas pertenciam com a finalidade de se obterembenefícios e recompensas por eles; como maneira de denunciar irregularidadescomo forma de se alcançar reparações; como meio de harmonizar ou pelo menostentar harmonizar os valores culturais de grupos específicos (conquistadores,mestiços e nativos) e, como instrumento que propiciava o conhecimento ao qualse poderia desenvolver ações transformadoras.A existência das diferenças e dos interesses particulares, bem como dasconsequentes explicações direcionadas, presentes nas obras produzidas na [Página 2 do pdf]

explicando aquilo que estava ocorrendo. É ilustrativo a esse respeito o comentáriofeito pelo escrivão real Agustin de Zarate ao dedicar ao rei Felipe II(1556-1598) aHistoria del Descobrimento y Conquista de la Provincia del Perú, y de las guerras ycosas señaladas en ella1. Nas palavras do autor:

“Chegando ao Peru vi tantas revoltas e novidades naquela terra, que mepareceu coisa digna de registrar, logo depois de ter escrito sobre o meutempo, percebi que não se podia entender bem, senão fosse apresentadoalguns antecedentes referentes a origem (dos acontecimentos dopresente); e assim de grau em grau fui recuando até encontrar-me nodescobrimento da terra; porque vão os negócios tão dependentes unsdos outros, que por qualquer que falte não tem os que seguem aclaridade necessária; o qual me compeliu a começar (como dizem) doovo troiano. (ZARATE,1947 p.459 – A tradução é de nossa autoria)2

Os autores, que escreveram sobre a Conquista no decorrer do século XVI,narravam a história da qual direta ou indiretamente haviam participado, porémsempre enaltecendo as suas próprias realizações ou as daqueles que os mandaramescrever. Agustin de Zarate, por exemplo, demonstra-se sempre fiel à Coroa e aosinteresses dela no Peru. Essa perspectiva assumida pelos “historiadores” do séculoXVI e princípios do XVII que escreveram sobre a América conduziu aodesenvolvimento de uma nova concepção de “verdade” que consistia em ter e darprovas convincentes que pudessem explicar, justificar e legitimar os seusinteresses. As “provas” podiam ser tanto a participação direta, como testemunhosdeles nos episódios descritos, como as informações conseguidas em documentosou ainda, o recurso a outros autores que consideravam fidedignos; a história nãodeveria limitar-se ao fato, mas sim deveria explicá-lo. É nesta perspectiva queencontramos os autores das crônicas e histórias da Conquista, independentementeda categoria social a que pertenciam. [Página 4 do pdf]

conflitos enfrentados contra os índios da “província” de Chamula e doRepartimiento de índios e também as cartas deixadas por Pedro de Valdivia,conquistador e posteriormente governador do Chile de 1545 a 1552. Sobre aconquista, foram escritas por ele onze cartas dirigidas a diferentes destinatários,entre os quais estão o Imperador, a Corte, o Conselho das Índias e HernandoPizarro, chefe militar da conquista do Peru (VALDIVIA, 1960, p. 1-74). Nessascartas, relata os trabalhos realizados para conquistar e manter o domínio sobre oVale do Mapoucho e terras circunvizinhas. O conteúdo dessas cartas foi utilizadopor Alonso de Gongora Marmolejo e Pedro Mariño de Lobera, entre outros autoresdo século XVI, que escreveram sobre a conquista do território do Chile.

2- As primeiras histórias sobre a Conquista da América

Entre as primeiras Histórias produzidas sobre a Conquista que tiveramcomo fonte os relatos diretos dos conquistadores, sejam escritos ou orais,encontra-se a Historia General de Índias e a Historia de la Conquista de Mexico,ambas de Francisco Lopes de Gomara; a Historia del Descobrimento y Conquista dela Provincia del Peru, y de las guerras y cosas señaladas en ella de Agustín de Zaratee a Historia del Peru de Diego Fernandez.

Francisco Lopez de Gomara nasceu em Gomara em 1511, estudou naUniversidade de Alcalá de Henares e, ordenado sacerdote, foi professor de retóricana mesma instituição. Durante o período de 1531 a 1541, esteve na Itália ondeconviveu com os principais integrantes do movimento humanista. De lá, regressoucom a expedição de Carlos V que combatia em Spezzia onde conheceu HernánCortés, passando a ser o capelão da sua família. Foi um dos primeiros a utilizar asCartas de Relação como fontes para a elaboração da História da Conquista.Conheceu particularmente o conteúdo das elaboradas por Cortés e ouviu osdepoimentos orais do próprio conquistador. Obteve informações de outrosconquistadores como Pedro Mártir de Anglería, Gonzalo Fernández de Oviedo,Andrés de Tapia e frei Toribio de Motolinía. Partindo dessas informações, semnunca ter estado na América, elaborou a sua versão da História da Conquista em duas partes. Na primeira, apresenta uma história geral da conquista e, na segunda,uma biografia (oficial) de Hernán Cortés1. O vínculo de Lopez de Gomara comCortés, associado à tendência de valorização do indivíduo presente noRenascimento, ajuda-nos a compreender as razões que levaram Gomara a exaltarCortés apresentando-o como o único condutor da conquista, o líder eminente, cujaimagem é enfatizada mediante os exageros nas dimensões das dificuldadessuperadas pelos conquistadores, graças à atuação de Cortés.

Em relação à conquista do império Inca, além da Historia General de Indiasde Francisco Lopes de Gomara, encontramos também a presença direta daquelesque participaram da conquista e dos conflitos a ela internos na Historia del Peru deDiego Fernandez e na Historia del Descobrimento y Conquista de la Provincia delPeru, y de las guerras y cosas señaladas en ella de Agustin de Zarate. Sobre DiegoFernandez, sabemos que esteve no Peru no período da guerra civil, provocada pelaimplantação das Ordenanzas de 1542, de Carlos V, em função dos abusos dosencomenderos em relação aos índios, segundo as denúncias de Bartolomeu de lasCasas, entre outros. Foi morador de Palencia (titulação que fazia questão demanter, ligada ao seu nome, para garantir os benefícios do Repartimiento deíndios) nomeado escrivão pelo vice rei do Peru, Andrés Hurtado, historiador ecronista, conforme afirmado pelo próprio Diego Fernandez no início da segundaparte da sua obra:Depois veio como vice-rei do Peru don Andrés Hurtado de Mendoza,marques de Cañete, e entendendo o que fiz e aquilo em que me ocupei,nomeou-me como historiador e cronista daqueles reinos, mandando(pelo título que para isso me deu) que eu começasse a escrever a partirda ida do presidente Gasca do Peru para a Espanha, pressupondo o vicerei (segundo disse) que o descobrimento daquela terra e as paixões domarques don Francisco Pizarro e todo o mais que precedeu, já havia sidoescrito por outros autores, divulgado e impresso (FERNANDEZ, 1963,p.242-243 / a tradução é de nossa autoria)2

A primeira publicação da obra de Francisco Lopes de Gomara ocorreu em 1552, em Zaragoza,sendo reimpressa em 1553, em Medina del Campo, e, em 1554, em Amberés, e novamente emZaragoza. [Páginas 7 e 8 do pdf]

A Historia del Peru está dividida em duas partes. Na primeira, narra osacontecimentos que geraram a guerra civil: o confronto entre o governadorGonzalo Pizarro, rebelado contra as novas leis, e o primeiro vice-rei do Peru, BlascoNuñes Vela, encarregado de implementá-los. Na segunda, dá ênfase aosacontecimentos ocorridos após a derrota de Gonzalo Pizarro pelas forças do vicerei. No conjunto, trata-se de uma obra de caráter oficial cujo objetivo principal é ode exaltar os feitos do vice-rei.

Agustin de Zarate chegou à América na companhia do vice- rei Blasco Nuñez Vela em 1544, no decorrer da guerra travada entre os herdeiros de Francisco Pizarro e a Coroa. Escreveu a Historia del Descobrimento y Conquista de la Provincia del Peru, y de las guerras y cosas señaladas en ella como resultado das investigações por ele realizadas para entender o que se passava. A História por ele escrita foi publicada pela primeira vez em Ambéres, em 1555.

As obras de Diego Fernandez e as de Agustin de Zarate juntamente com asde Francisco Lopes de Gomara, foram utilizadas pelos contemporâneos comoroteiro e parâmetro na elaboração de outras versões para a história da Conquista.No entanto, entre elas existe uma diferença: enquanto as obras de Diego Fernandese Agustin de Zarate foram utilizadas como uma espécie de banco de dados queauxiliavam os autores a explicar e justificar os relatos que escreviam, a de Gomarafoi utilizada como fonte de contestação e inspiradora de novas versões para aHistória da Conquista.Autores como Bernal Diaz del Castillo, Fernando Alva Ixotlichtil, DiegoMuñoz Camargo e o Inca Garcilaso de la Vega contestaram a obra de Gomara, poisnela não viam a presença da verdade. Francisco Lopes de Gomara apresentava aConquista como uma façanha exclusiva de Cortés, omitindo ou esquecendocapitães e nativos que participaram da empresa. Para os autores oriundos dessascategorias, a verdade precisava ser registrada. Já a utilização da obra de DiegoFernandez e de Agustin de Zarate não foi a mesma seguida pelos contestadores deFrancisco Lopez de Gomara; as obras por eles redigidas serviram mais como“banco de dados” do que como objeto de contestação. Entre os autores que [Página 9 do pdf]

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