A cartografia de José Custódio de Sá e Faria e o processo de formação territorial do Rio Grande de São Pedro (c.– 1753 – c.– 1769). Por Mariana Pereira Gama - 01/01/2021 de ( registros)
A cartografia de José Custódio de Sá e Faria e o processo de formação territorial do Rio Grande de São Pedro (c.– 1753 – c.– 1769). Por Mariana Pereira Gama
2021. Há 3 anos
envolvendo a dificuldade para identificar um dos rios por onde deveria seguir a demarcação,Ferreira comenta:(...) os [homens] de Curuguati constataram que o actual Iguatimi era, efetivamente, orio mais caudaloso acima do salto do Paraná, correspondendo, assim, ao Igurei doTratado. Também exploraram uma pequena parte de um outro rio que tinha as suascabeceiras próximas ao Iguatimi e que corria para o Paraguai, por onde, segundo oestipulado, deveria continuar a linha de demarcação. Porém, como este rio desaguariano Xexui (actual Jejui-Guazu), Antonio de Flores interpretou este facto a seu favor,pois invocava que o tratado dizia expressamente que deveria desaguar no Paraguai.Contudo, Sá e Faria teimava em que fosse por esse rio que se efectuasse a demarcação,pois o Xexui era afluente do Paraguai.”Boa parte destas divergências entre demarcadores portugueses e espanhóis têm origemno controverso Mapa das Cortes69, carta que orientou a assinatura do Tratado de Madrid etambém os próprios trabalhos demarcatórios. Consultando a correspondência direcionada àFreire de Andrade por nosso personagem, Ferreira pontua que “Sá e Faria questionava oComissário Principal sobre o modo de proceder nesta questão”70 e que, em embargo semelhantereferente à conclusão da demarcação de sua partida, “enviava uma outra carta onde comunicavaa impossibilidade de se concluir naquele troço a demarcação prevista, enviando um plano parailustrar o trabalho que até aí se tinha efetuado”71.
Em face as dificuldades práticas de reconhecimento que recorrentemente não correspondiam às indicações presentes no Mapa das Cortes, a elaboração de planos individuais por parte dos cartógrafos visava orientar a delimitação de modo mais preciso, cabendo aos profissionais o reconhecimento in loco dos espaços de colonização. Tal trabalho de reconhecimento estava sujeito a ser atravessado pelas realidades locais em que se situavam os indivíduos, onde as condições para a execução dos desígnios metropolitanos por vezes exigiam determinadas manobras retóricas, a exemplo da defesa de Sá e Faria a respeito da conclusão da demarcação de sua partida pois “tal decisão não traria desvantagens para os portugueses, pois o rio Ypané situava-se abaixo do trópico, e não acima, como diziam as instruções, o que significava uma maior extensão de terras para a coroa portuguesa”.
Adentrando na cartografia, comparado aos demais mapas elaborados posteriormente, oMappa Geographico da Campanha, por onde marchou o Exército de S.M.F., sahindo do Riogr.de de S. Pedro, a unirse com o de S.M.C., a quem auxiliava, contra os 7 Povos rebeldes,situados na margem oriental do Rio Uruguay. Elevado e Desenhado pelo Tenente Coronel doRegim.to de Artta do Rº de Janrº Joze Custodio de Sá e Faria (Anexo A) é o que aparenta termais imprecisões, cujas ocorrências podem ser relacionadas com o até então pouco contatoestabelecido pelo cartógrafo com a região. Representando a região do Rio Grande de São Pedroà época das demarcações, mais precisamente em 1756, foi o primeiro mapa elaborado por JoséCustódio de Sá e Faria sobre o Continente. Não obstante as irregularidades e desproporções,cabe observar a disposição da hidrografia, especialmente apropriada na região oeste darepresentação. Sobre os traçados do sistema fluvial nos mapas coloniais sobre a América,Protasio Langer comenta que “foi subindo o curso das águas do sistema fluvial platino que osespanhóis descreveram o entorno geográfico e empreenderam a conquista da AméricaMeridional”73, observação aparentemente aplicável também ao caso dos empreendimentos deconquista portugueses.Também de 1756, tem-se a Demonstração Topográfica do Cam.º que fez o Ex.to deS.M.F. dede o Rº Grande, the as Missões do R.º Uruguay em auxilio do de S.M.C. com quem seunio sobre a marcha do anno de 1756 (Anexo B). Assim como a carta anterior, esta retrata acampanha em direção às Missões, embora de forma um pouco mais precisa, havendo apredominância dos topônimos indígenas. Aqui, faz-se necessário atentar que o movimento deexpansão portuguesa em direção ao Prata ocorre sobre terras disputadas com os castelhanos,mas que, antes de tudo, eram zonas não-vazias e disputadas também pelas populaçõesoriginárias – portanto, uma fronteira tripartida74. Era, dessa maneira, um processo queenfrentava a resistência e imposição de demais territorialidades, haja vista a ocorrência da [Páginas 30 e 31]
Tendo mais uma vez como exemplo o caso do Exemplo Topographico – haja vista onúmero considerável de elemento toponímicos nesta carta – ao compararmos com os nomespresentes nos demais mapas, podemos observar ao menos dez novas ocorrências de topônimosindígenas, ou seja, que não estavam presentes em nenhum dos mapas anteriores, como Catimbo,Ypané, Curutuy, Hirapuay, Guaça-caintgua, Araricá, Ytapebi, Aleyguá, Boromboru eCurucupucu. Destes, cinco localizam-se concentrados ao redor do Rio Jacuí, e direção aointerior da costa e à oeste dos topônimos concentrados sob a legenda “B”, como tratado notópico anterior. Cabe aqui questionar os motivos de tal resistência e a permanência dessestopônimos de forma ainda muito considerável, especialmente em meio a um processo depossível apropriação. Para nos auxiliar nessa questão, a respeito da questão toponímica nacartografia sertanista, Kramer comenta quea evidente incorporação da língua tupi na cartografia ‘sertanista’ e o uso dela natoponímia expressa bem mais do que a manutenção dos ‘nomes bárbaros que o gentio,dominador de outrora, lhes aplicou [e] que os conquistadores respeitaram’ (Sampaio1901, 4). Trata-se de uma mistura complexa entre a incorporação da toponímia tupiguarani pré-existente e do uso da língua geral para atribuir nomes aos ‘novos’acidentes geográficos e a diversos ambientes coloniais.109 [Página 47]