1.2. ALUNOSA enorme quantidade de alunos que abandonavam os estudos era debitada ao preconceito que a população fora adquirindo ao longo do tempo, contra a escola pública. Contribuíram para issoa inaptidão do professor, que afugentava a freqüência da escola; a falta de professores; a desídia destes, a falta de instalações adequadas para o estabelecimento da escola; a ausência de mobílias; a falta de material didático e o completo desconhecimento dos professores destes.[87]O Presidente da Província, em seu relatório, dizia que “por isso não raro se vê, ao lado da escola pública despovoada, a particular bem freqüentada”.[88] No entanto, João L. Rodrigues identificavauma outra causa que desviava da escola pública bom número de crianças: era a baixa extração da sua clientela ordinária. Os colégios particulares, onde o ensino era remunerado, não estavam ao alcance de todos, e desse modo operava-se uma seleção: as crianças de família medianamente abastada iam para as escolas particulares da localidade ou quando elas não existiam, para internatos.Desse modo, só iam para a “escola pública as crianças cujos pais eram totalmente indigentes, não só mal vestidas e descalças, mas muitas vezes desasseadas, destituídas daquele polimento que revela, a primeira vista uma boa educação de família”.[89] E para corroborar o seu diagnóstico, cita o depoimento de uma ´certa senhora´ de suas relações que, tendo-lhe confiado dois de seus filhos, dizia sempre tê-los no colégio. A senhora justificava: “Não digo que meus filhos estão na escola porque para a escola, em regra geral, não vão senão as crianças da ralé social”.[90]Já para o Inspetor Geral, a inferioridade do ensino público devia-se ao deficiente programa das escolas primárias, “que era modestíssimo, nada mais do que o programa de 1846, com acréscimo apenas do sistema métrico, sendo que alunos havia que, com um estágio de 3 anos, deixavam a escola mal sabendo ler”.[91]Para os pais “o pouco adiantamento assinalado não tinha explicação, senão na desídia dos professores e mesmo na sua falta de escrúpulos”.[92]A evasão dos alunos não passava, segundo a ótica dos professores, pelo processo pedagógico. A escola, com um programa, cujo conteúdo não se relacionava com as expectativas sociais, divorciada da realidade cotidiana, excludente, seja na ação punitiva, seja nas práticas voltadas para o ensino pedagógico, detinha um professor que, se não era totalmente desqualificado em conhecimento, era-o no conteúdo metodológico, aplicado ao magistério.O trabalho em sala de aula tornava esse professor, autodidata no trato voltado diretamente ao ensino-aprendizado. Era obrigado, por força das legislações existentes, a conviver com uma clientela extremamente diversificada, onde coexistiam, na mesma classe e na mesma série, “alumnos, cujas idades variam entre 7 e 12 annos”.[93]Essa diferença de idade, segundo os professores, era um dos motivos para as faltas e desistências dos alunos. A professora Annita Guilhermina Wilke relata que, sob a sua direção, “matricularam-se 24 alumnas, porem ja sahiram 7 d´ellas por serem muito velhas e grandes”.[94] Por outro lado, os professores da escola pública, equivocadamente, debitavam à escola particular a responsabilidade pela ausência de alunos. Reconhecendo o “número bem diminuto”, o professor defendia-se, dizendo que “existindo e funcionando, ao que me parece, sete escolas particulares nesta cidade, forçoso é que o numero de alunos nas aulas publicas não seja grande”.[95]O ensino obrigatório era também reclamado como um agente capaz de ajudar no controle das ausências e desistências. O Inspetor dizia que “a falta de frequencia de alumnos é devida ao ensino não ser obrigatorio”. E reafirmava a sua convicção de que “foi esta sempre minha opinião”.[96] O professor também tinha o mesmo conceito: “Enquanto não ouver o ensino obrigatorio é quase impossivel por quanto eu e meus collegas lutarmos exuberantemente e nada ou quase nada podermos conseguir pela falta de assiduidade dos mesmos”.[97]O castigo agia nas duas extremidades do problema. De um lado, para o professor, a pouca freqüência era devida a “falta de castigos, pois elles abusão do mestre e não frequentão a escola”.[98] Do outro lado, para o Inspetor, “muitas veses os paes retirão seus filhos da aula por um simples castigo moral feito pelos Professores, a bem da disciplina e adiantamento dos meninos”.[99]Os pais arcavam com uma parcela ponderável da culpa pela freqüência irregular às aulas:a instrucção publica n´este lugar não pode prosperar por causa da insubordinação dos meninos e por causa dos paes e tutores dos menores que descurão da educação. Muitos dos meninos entrão nas escholas e dahi a 15 dias sahem e voltão de modo passado às vezes dois annos para principiarem outra vez. Creia, V. Sa., que é uma lucta sem fim![100]O desinteresse da sociedade pela educação é identificado como elemento desestimulador à freqüência. Segundo o Inspetor,as causas que tem determinado a pouca frequencia das escholas, em relação a população d´este municipio, só pode ser attribuida ao pouco amor que o povo ainda consagra a instrucção, cujas vantagens certamente desconhece, e não sei qual seja outro motivo, pois que os professores cumprem com suas obrigações e são assiduos e zelosos pelo adiantamento de seos discipulos.[101]
Também o professor particular compartilha da mesma opinião. Para o professor J.P. Chagas, “o amor da instrucção n´esta cidade é pouco desenvolvido”. Justificando-se, dizia que deixava “de dar attestado dos allumnos que tem saido de minha aula por não terem completado sua educação literaria”.[102]
[102] - Relatório do professor particular, J. P. Chagas ao Inspector Geral da Instrucção Publica, Dr. Francisco Aurelio de Souza Carvalho. Sorocaba, 30 de junho de 1876. Arquivo do Estado. Ordem 5.110.
Para o mesmo Inspetor, anteriormente, ”as causas determinantes da falta de progresso pode ser attribuida a pouca constancia dos paes em conservarem seos filhos nas escholas por tempo sufficiente para completarem sua educação”. E mais adiante deixava clara a sua perplexidade, afirmando que “não se deve attribuir a defficiencia de população ao facto de não serem as escholas publicas e particulares deste districto frequentada por um numero de allumnos superiores aquelle que as frequentão, mas sim a pouca inclinação que em todo o Brasil se nota pela instrucção”.[103]A mudança de horário das aulas constituía-se num outro motivo responsável pelo elevado número de faltas. Até 1869, as aulas do ensino fundamental eram distribuídas em dois períodos: de manhã, das 09h às 12h, e à tarde, das 14h às 17h. A partir de 1870, elas passam para um só período: das 09h às 14h, isto é, cinco horas e sem intervalo. O relato do professor é esclarecedor:a alteração do horario das escolas, tem dado em resultado difficuldades que eu confesso não tenho meios de vencer. Declaro, sem medo de errar, que é humanamente impossivel conter um menino por 5 horas em um banco a ler e escrever. Si um homem difficilmente pode concentrar a atenção por tam longo espaço de tempo, o que sera de uma creança cheia de vivacidade, inquieta por natureza, ainda de impressões variadas?A experiencia tem mostrado que hoje as faltas são mais numerosas e os menino tem verdadeiro horror as 5 horas de escola. Entre os frequentes, uns resistem bem ao cançaço (principalmente nos dias calmosos), outros desesperam inteiramente. Não me compete inquirir dos motivos por que foi alterado o antigo horario, alias mais incommodo aos professores; limito-me a relatar factos diariamente observados.[104]Mas um dos motivos mais convincentes é o do professor João Dias Vieira:neste Bairro como em nenhum outro deste municipio, ha muita pobreza, e por consequencia a maior parte dos meninos que aqui existem deixão de frequentar a escola por não terem livros e mais objetos que a mesma exige para o ensino, sendo, talvez esta a causa de se achar tão limitado o numero de alumnos matriculados deste anno.[105]
5. ESCOLAS DE ENSINO ALEMÃO
5.1. ESCOLA ALEMÃ
A Escóla Allemã é a primeira escola de ensino alemão de que se tem notícia em Sorocaba, e foi fundada em 1886 por uma associação de pessoas, entre elas Theodoro Kaysel, João Spänner e Julio Schultz, para dar aos interessados um ensino ligado às suas origens.
A escola funcionava, inicialmente, no Largo do Rosário, em uma “casa collada á Pharmacia do sr. Rosa”[239] mudando-se posteriormente, para a rua de São Bento, nº 11.vFoi seu professor durante o primeiro ano de existência, Emílio Cillis.
“Ensinava em Portuguez e Allemão” e de seu currículo constavam “Portuguez, Allemão, Calligraphia em Portuguez e Allemão, Arithmetica theorica e pratica, Geographia, Historia e Canto”.
O professor, tentando traçar uma boa imagem da escola, deixava antever a dificuldade que tinha com a língua portuguesa: “o professor participa ao respeitável publico sorocabano, que o ensino tem logar em duas linguas ao mesmo tempo, na portugueza e allemã, applicando-se toda a attenção a ambas ellas; terão assim, os alumnos a dupla vantagem de apprender mais uma lingua”.
Sem nenhuma modéstia, dizia que “ha quatro mezes que dirige este Collegio e tem obtido os melhores successos, como provam os cadernos á vista dos honrados paes de familia”.Aceitava meninos e meninas e garantia uma ordem exemplar.E explicava os objetivos da escola: “a Escola Allemã tem por fim não só dar uma instrucção solida e valiosa na pratica da vida, como imnocular nos corações infantis a ideia de boa moral”.As aulas começavam às 10 e terminavam às 14h30min. Lecionava-se às quintas-feiras, com mensalidade de 5$000.[240]Em fevereiro de 1887, Emílio Cillis é desligado e a escola comunica que os cursos estariam “d´ora em diante sob a habil direcção do professor sr. Frederico de Montbé” e, que eram as disciplinas doCurso Primario: Portuguez: leitura e calligrafia; Allemão: leitura e calligrafia; Arithmetica: as quatro operações; Lições de causas: explicações livres; Geographia: as primeiras noções e Gymnastica. Do curso secundário: Portuguez: leitura, grammatica, composição e calligrafia; Allemão: leitura, tradução, composição, grammatica e calligrafia; Arithmetica: fracções decimaes, systhema metrico, numeros complexos, razão, proporções, regra de três, falsa posição, porcentagem, desconto; Geographia: systhema planetario e Geographia universal, comprehendendo a physica e politica; Historia: universal, comprehendendo História antiga e edade Média e moderna; Historia Natural; Noções; Gymnastica.Comunica-se, ainda, que as disciplinas Francês, Inglês, Geometria e Desenho deveriam ser pagas separadamente. Os interessados deveriam dirigir-se a “Rua de São Bento, nº 11, das 10 horas da manhã até 3 da tarde”.[241]Matriculam-se 13 alunos.Em junho do mesmo ano a Escola faz publicar a realização dos exames semestrais: tiveram logar a 23 do corrente, como noticiamos, os exames dos alumnos da Escóla allemã, presididos pelo inspector litterario, sr. Arthur da Cunha Soares, sendo arguentes os srs. drs. Oliverio Pilar e Herculano Manuel Alves.Começaram elles pelos cadernos de notas diarias dos alumnos, cuja calligraphia e orthographia muito agradaram ás pessoas presentes.Passou-se em seguida a examinar os alumnos de primeira classe em grammatica portuguesa, sendo arguidos os meninos Augusto Bönner, Ricardo de Oliveira, Paulo Sprenger, Camilla Mücha, Theodoro Alme e Brasilico Petzoldt. Todos elles satisfizeram aos argumentos e ouvintes pelo lisongeiro estado de adeantamento em que se acham, exigindo a justiça que de façam salientes os nomes de Augusto Bönnes, Ricardo de Oliveira e Camilla Müche, sendo para notar-se que esta última é allemã, e que ha quatro mezes principiou a estudar o portuguez.A primeira classe de geographia era composta dos alumnos já citados e dos meninos Antonio Petzoldt e Emilio Müche que como sua irmã pouco tempo tem de estudo de portuguez manifestaram grande aproveitamento de estudo e applicação, assim tambem os de 2ª classe de que fazem parte Waldomiro da Fonseca, Alfredo Schimming, Adelino Pereira, Ignacio e Luiz de Oliveira.Em arithmetica muito se distinguiram os alumnos Augusto Bönner, Ricardo de Oliveira, Paulo Sprenger, Camilla Müche e A. Petzoldt.A necessidade que tiveram de retirar-se os examinadores fez com que não fossem os alumnos arguidos em outras materias que fazem parte do programma d´aquella escóla, o que muito sentimos. Na mesma publicação, o jornal destaca as qualidades da educação alemã, ressaltando que é sabido que a Allemanha é o paiz que sabe melhor dar valor à instrucção tanto que um allemão que não sabe ler quasi toma as proporções de um phenomeno, e é devido a isso com certeza o espirito de ordem que entre elles reina. Alli, desde que os primeiros naturaes impulsos da razão se agitaram no cerebro de uma creança, trata-se logo de encaminhal-a para esse phanal da civilização – a instrucção, assim é que mesmo no extrangeiro não perdem aquella boa impressão que no berço receberam.Á vista de taes consideracões é fácil adivinhar com que circunspecção, não procedam elles na escolha de professores e na orientação do ensino.[242] Com limitado número de alunos, a escola não resiste aos problemas econômicos e, no dia 02 de agosto desse mesmo ano fecha as suas portas. Em seu lugar, o professor Frederico de Montbé faz comunicar que reabriria a escola alemã agora com o nome de Collegio Montbé.
5.2. COLLEGIO MONTBÉ
Aberta nos mesmos moldes da anterior, a escola fazia anunciar que do seu programa curricular constavam, no curso primário: “Leitura, Calligraphia, Lições de cousas, Contar, Declaração, Geographia patria e Gymnastica” e, no curso secundário; “Grammatica Portugueza, Composição, Francez, Allemão, Arithemetica, Geographia Universal, História Universal, Historia Natural, Geometria Elementar, Desenho, Declamação e Gymnastica”. A mensalidade para o curso primário era de “5$000 e o secundario de 6$000”. Os interessados deveriam dirigir-se “nos dias úteis a rua São Bento nº 11, das dez as tres da tarde”.[243]Em setembro desse ano, o mesmo jornal destaca que o colégio havia adquirido mobiliário novo, tendo encomendado em “S. João do Ypanema carteiras segundo as formas recommendadas pela pedagogia moderna e muito em uso nas escólas da União Americana”. Destacando as qualidades dessas carteiras, dizia que atendendo a todas as “necessidades e commodidades dos alumnos cada um d´estes tem o seu assento que lhe dá uma posição natural, e que não lhe permitte tornal-o viciosa, encontra logo á sua frente uma boa escrivaninha com logares apropriados para guardar os seus utensis de escripta e gaveta para livros e papeis”.Outra novidade é a contratação de um professor para “reger a aula primeira, isto é, ensinar a ler, escrever e arithmetica até as quatro operações fundamentais e lições de cousas”. Funcionando esta aula em uma sala separada.[244]
Em dezembro são realizados os exames, de cuja banca participavam Arthur Soares, Alvaro Cesar da Cunha Soares, José Pereira Chagas e Manuel Januário de Vasconcellos. “Findos os exames foram distribuidos lindos e valiosos premios aos alumnos que mais se distinguiram”.
Fizeram os exames 22 alunos: Ricardo de Oliveira, Augusto Bönner, Antonio Petzoldt, Carlos Oetterer, Theodoro Alm, Jacob Sticha, Tarcilio de Arruda, Brasilico Petzoldt, Eurico Pereira, Emilio Müche, Luiz de Oliveira, Adelino Ignacio, Ricardo Villela, Oscar P. de Souza, Waldomiro de Fonseca, Juvenal P. de Souza, João Sticha, José de Castro, Silvio Pereira, Francisco Pereira, Horacio Villela e Oscar de Castro.[245]Em janeiro de 1888, a escola introduz o “curso de preparatório”, onde se ensinava além das disciplinas do curso secundário, “desenho e música mediante a mensalidade de desenho 2$000 e música 3$000”.[246]Não há mais notícias sobre o Collegio Montbé.
É a ciência feita de suor como dissemos. Temos sobressaltos de lógica, temos anos de indagações não respondidas, temos frustrações, temos horas de arrancar os cabelos, mas o verdadeiro poder do gênio é a força de vontade para fazer todos os erros necessários para chegar a resposta.
Michio Kaku referindo-se a Albert Einstein
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