Entre a revolução e o corporativismo: A experiência sindical dos ferroviários da E. F. Sorocabana nos anos 1930, 2006. Adalberto Coutinho de Araújo Neto - 01/01/2006
Entre a revolução e o corporativismo: A experiência sindical dos ferroviários da E. F. Sorocabana nos anos 1930, 2006. Adalberto Coutinho de Araújo Neto
1 de janeiro de 2006, domingo Atualizado em 15/09/2025 00:21:52
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realizada principalmente por pequenos proprietários e sitiantes, que também produziam suasubsistência76.
As máquinas de descaroçar algodão chegaram em 1865 à cidade: os negócios prosperavam. A maior dificuldade para o algodão, no entanto, era suportar os altos custos de transporte ao porto de Santos, para ser remetido ao porto do Rio de Janeiro, de onde seria finalmente exportado. As câmaras municipais nas quais figuravam comerciantes e produtores da fibra nas regiões próximas a Sorocaba, reivindicavam constantemente reparos nas estradas e, depois, na época da construção das grandes ferrovias, a criação de ramais de ligação ao tronco principal das estradas de ferro. Ou então, abertura de estradas até os pontos terminais dessas ferrovias77. O principal centro produtor foi a região que tinha Sorocaba como centro comercial.
Nessa época, mais propriamente em 1865 (78), chegou à Sorocaba um homem que se transformou num verdadeiro mito na cidade, Luiz Matheus Maylasky, o “estrangeiro misterioso” 79. Seu nome é tido pela tradição local como do principal criador da idéia que viria a se materializar na Estrada de Ferro Sorocabana. De todos os principais vultosfundadores da ferrovia, somente de Maylasky há estátua, que está apontando para a estação da ferrovia em Sorocaba, hoje desativada, mas conservada, indicando o trabalho a um operário ao seu lado, que segura uma picareta. Sua ascensão meteórica na sociedade de Sorocaba e sua ousadia deram o toque ao mito (80).
76 Paulo Celso da SILVA, De novelo de linha à Manchester Paulista: fábrica têxtil no começo do século XX emSorocaba.77 Alice P. CANABRAVA, op. cit. 78 Geraldo BONADIO,. Sorocaba: a cidade industrial (espaço urbano e vida social sob impacto da atividadefabril).79 Paulo Celso da SILVA, op. cit. 80 Maylasky é um mito não só pela sua pretensa “paternidade” em relação à ferrovia e de seu concurso paravários empreendimentos feitos na cidade, mas, também porque se tornou polêmico. Foi sócio fundador epresidente do Gabinete de Leitura Sorocabano entre 1867 e 71, fundador e diretor da Sociedade para oProgresso Sorocabano em 1868, provedor da Santa Casa de Misericórdia entre 1874-75 e sócio de JúlioRibeiro no jornal Gazeta Commercial, publicado entre 1875-77, cf. Cássia BADDINI, op.cit., p. 178. Ainda em1877, ele propôs sua candidatura à Assembléia Provincial pelo Partido Liberal, do qual fazia parte, não aceita, entretanto, pela direção do partido, em virtude de pressões de correligionários contrários. Foi considerado por muitos de seus contemporâneos em Sorocaba, S. Paulo e Rio de Janeiro, como homem de idoneidade duvidosa. [p. 54]
Segundo Antônio Francisco Gaspar 81, Maylasky, nascido em Kassa82, Hungria, a 21 de agosto de 1838, oficial de artilharia do Exército Imperial Austro-Húngaro, veio para o Brasil em companhia do engenheiro prussiano Herman Von Puttkammer 83. Para Bonadio, ele nasceu na pequena cidade de Hidasnémeti, Hungria, próxima à antiga Kassa, hoje Kosice, cidade eslovaca onde foi batizado 84.
Teria vindo ao Brasil fugindo das conseqüências de um duelo com um superior hierárquico no Exército Austro-Húngaro, ocasião na qual teria sido ferido 85. Segundo se contava, ainda no navio, “sopraram-lhe (…) a suave palavra: Sorocaba” 86. Chegou ao porto de Santos no início de 1865, partindo logo em seguida para S. Paulo. Nessa cidade, fo acolhido por padres do Mosteiro de S. Bento, trabalhando como copeiro e aí aprendendo as primeiras regras do português. Ainda segundo Gaspar, Maylasky falava várias línguas, sendo perito em latim 87.
Entre agosto e setembro, ele ouviu novamente a “suave” palavra Sorocaba… Agora porém, com mais clareza: era a cidade das grandes feiras de muares e importante entreposto comercial. Veio a Sorocaba como ajudante de arreios e de peões, chegou no final de 1865,com a roupa do corpo e perambulou pela cidade, pedindo abrigo no Mosteiro de S. Bento.
No ano seguinte, apresentado por frei Baraúna88, “consertou o descaroçador de Roberto Dias Baptista (…) e ficou sócio dele” 89. Associou-se também com Manoel da Fonseca, que lidava com fazendas (tecidos), estabelecendo-se em 1867, com grande armazém à Rua doComércio (hoje Barão do Rio Branco) com máquinas descaroçadoras de algodão.
Conseguiu confiança nas praças de S. Paulo, Santos e Rio de Janeiro, despachando algodão através de sua firma Luiz Maylasky & Cia.
81 Antônio Francisco Gaspar, homem que trabalhou como eletricista e instalador de linhas e aparelhos detelégrafos na EFS por décadas a fio até sua aposentadoria, tornou-se historiador autodidata da ferrovia.Empreendeu através de pesquisas em jornais de época e em arquivos, os primeiros trabalhos sobre a ferrovia.Foi, seguramente, um dos que mais pesquisaram sobre a vida do “estrangeiro misterioso”.82 Cf. Paulo Celso da SILVA, op. cit., p. 51. 83 Puttkammer viria a trabalhar mais tarde, para seu ilustre ex-companheiro de viagem na construção e após,no prolongamento da ferrovia.84 Existiu por muito tempo, dúvidas e controvérsias sobre a verdadeira origem de Maylasky.85 Geraldo BONADIO, op.cit. 86 Antônio Francisco GASPAR,. Bodas Brilhantes: 10 de julho de 1875!.. 10 de julho de 1950!.., p. 35. 87 Até 1840, ano em que a Dieta Húngara adotou o húngaro como língua oficial escrita para seu país, o latimocupava essa posição, não sendo de estranhar, portanto, a “perícia” de Maylasky com essa língua. Cf. Eric J.HOBSBAWM, Era das Revoluções. Europa, 1789 – 1848. 88 Geraldo BONADIO, op. cit. 89 Aluísio de ALMEIDA, op. cit., p. 238. [p. 55]
Na ocasião da inauguração da ferrovia e de suas solenidades, Maylasky pronunciouum discurso para os espectadores e autoridades, no qual encontramos afirmações exaltandocom um novo tom a cidade, em consonância com as transformações capitalistas maisprofundas que se operavam na província e em algumas partes do país. Nele já estava aintenção de expandir a ferrovia para Tatuí, Tietê, Itapetininga e Botucatu e, mesmo estendêla até o Paraná. E também continha um alto grau de egocentrismo, próprio do lendário“self-made-man” do século XIX105. O Brasil experimentou a ação deles – em muito menorgrau que os EUA – como no caso da cinematográfica vida de Irineu Evangelista de Souza,passando por Francesco Matarazzo, entre outros. Em seu discurso exaltou a nobreza do trabalho, que traz aos homens o “sagrado”progresso: “o homem é o sacerdote do trabalho, ajoelhado diante do altar do progresso”106.O trabalho era mesmo um “dever”, especialmente para o paulista, “que não tem o direito deficar parado”. O que revela elementos de um certo imaginário capitalista paulista que estavaem vias de surgir: S. Paulo, a terra do trabalho, do progresso, da prosperidade. Exaltava opovo da cidade que lhe proporcionou a fortuna e terminou triunfante:Cumpri minhas promessas, aí está a vossa estrada!Vivam os acionistas da Companhia!Vivam todos os operários da linha da Sorocabana!Viva o povo sorocabano!107. Na Gazeta do Comércio, Júlio Ribeiro o intitulou “campeão do progresso”. Mas, nem tudo foram glórias…
Entre setembro e outubro, a empresa passou por sérios problemas financeiros; ocusto da construção da linha de S. Paulo à Fábrica de Ferro S.J. do Ypanema foi orçado em 5.366:653$249, enquanto o custo de sua construção até Sorocaba foi de 8.654:566$226, sendo o capital realizado de 4 mil contos de réis. Já no primeiro número de outubro do Ypanema, pediu-se que Maylasky deixasse a direção da Cia. Sorocabana.
Havia problemas com o Deustch Brazilianisch Bank sobre empréstimos obscuros de Maylasky em nome da empresa e o suicídio de um de seus diretores, o Sr. Rick que, em uma carta noticiada no Rio de Janeiro, envolvia-o nos motivos de seu suicídio junto com o empréstimo.
O problema foi sério; o Imperador, personagem máximo e obviamente indispensável ao “glorioso” acontecimento, evitou vir diretamente à cidade para a inauguração da ferrovia, para não se hospedar – como fazia parte do convite oficial da empresa – na casa de Maylasky. Ao que parece, D. Pedro II não queria envolver-se com a polêmica em torno do nome do “estrangeiro misterioso”.
Havia dívidas ainda com os subempreiteiros das obras, aos quais Maylasky ofereceu letras emitidas por ele, pelo prazo de seis meses. E, como se não bastasse, o algodão herbáceo, produto de exportação, para cujo transporte em grande quantidade a ferrovia fora criada primordialmente em 1875, entrou em decadência, como artigo relevante constante nas pautas de exportação 108, conseqüentemente, transportado em pequena quantidade.
Maylasky permaneceu na direção da empresa, mesmo sendo contestado pelaimprensa e por parte dos acionistas. Muitos consideravam que a missão dele e de seus“companheiros” era a de levar a cabo a construção do tronco principal da estrada de ferro;uma vez isto feito, deveriam deixar a direção da empresa. Não foi, contudo, o que ocorreu. Já em 1876, se falava em encampação da Ituana e da Sorocabana pelo Governo daProvíncia. Em 1880 a questão foi novamente levantada, havendo até projeto para queocorresse. Houve severas contestações na imprensa de S. Paulo e de Sorocaba e o entãodeputado provincial Antônio Ferreira Braga, denunciou o projeto, discursando para aAssembléia Provincial. Segundo o deputado, o projeto só beneficiaria a atual diretoria eparte dos acionistas, visto que estes receberiam em papéis confiáveis “com base segura paraoperação de crédito e com procura e aceitação na praça”, enquanto a Província assumiriauma ferrovia “sem presente e sem futuro próspero provável”109.Nosso “estrangeiro”, nacionalizado após o casamento com Ana Franco, permaneceupresidente da empresa até o final de 1880, quando foi obrigado a deixá-la e à cidade110. Aqueda da produção de algodão, a perda de mercados motivada pela recuperação da potenteprodução norte-americana e, pela concorrência do Egito e da Índia, causou problemas àempresa e aos produtores sorocabanos e brasileiros como um todo. Os abalos na produção [p. 60 e 61]
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