O sistema que impede Veneza de afundar há mais de 1.600 anos, g1.globo.com
Atualizado em 07/04/2025 11:34:42
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Todos os moradores locais sabem que Veneza, na Itália, é uma floresta de cabeça para baixo.
A cidade completou 1.604 anos no dia 25 de março. Ela foi construída sobre as fundações de milhões de estacas curtas de madeira, socadas contra o solo com a ponta para baixo.
As árvores são lariços, carvalhos, amieiros, pinheiros, abetos e elmos, com altura que varia de 3,5 metros até menos de 1 metro. Elas sustentam os palácios de pedra e altos campanários há séculos, formando uma verdadeira maravilha da engenharia, que equilibra as forças da física e da natureza.
Na maioria das estruturas modernas, concreto reforçado e aço fazem o mesmo trabalho que esta floresta invertida mantém há séculos. Mas, apesar da sua força, poucas fundações atuais poderão durar tanto quanto as de Veneza.
"Estacas de concreto ou aço são projetadas hoje em dia [com garantia para durar] 50 anos", afirma o professor de geomecânica e engenharia de geossistemas Alexander Puzrin, do Instituto Federal de Tecnologia (ETH) de Zurique, na Suíça.
"É claro que elas podem durar mais tempo, mas, quando construímos casas e estruturas industriais, o padrão é de 50 anos de vida", explica o professor.
Apenas uma vez, no início da carreira, um cliente solicitou a Puzrin que oferecesse uma garantia de 500 anos, para a construção de um templo Bahá´í em Israel. "Fiquei meio que chocado, porque isso era incomum", relembra ele.
"Fiquei muito assustado e eles queriam que eu assinasse. Liguei para o meu patrão em Tel Aviv [Israel], um velho engenheiro com muita experiência, e perguntei ´o que vamos fazer? Eles querem 500 anos.´""Ele respondeu: ´500 anos? [pausa] Assine.´ Nenhum de nós vai estar aqui."A técnica veneziana usando estacas é fascinante pela sua geometria, sua secular resistência e sua imensa escala.Ninguém tem absoluta certeza de quantos milhões de estacas existem sob a cidade. O que se sabe é que há 14 mil postes de madeira firmemente instalados, apenas nas fundações da ponte Rialto, mais 10 mil carvalhos sob a Basílica de São Marcos, construída no ano 832."Nasci e cresci em Veneza", conta a professora de química ambiental e patrimônio cultural Francesca Caterina Izzo, da Universidade de Veneza."Quando era criança, como todos os demais, eu sabia que, no subsolo das construções de Veneza, existem as árvores de Cadore [a região montanhosa perto de Veneza]", relembra ela. "Mas eu não sabia como essas estacas foram colocadas, como elas foram contadas e derrubadas, nem que os battipali ("batedores de estacas", em tradução literal) eram uma profissão muito importante.""Eles tinham até as suas próprias canções", ela conta. "É fascinante, do ponto de vista técnico e tecnológico."Os battipali martelavam as estacas manualmente e cantavam uma música antiga para manter o ritmo – uma melodia assombrosa e repetitiva, com letras que elogiavam Veneza, sua glória republicana, sua fé católica e declaravam morte ao inimigo da época, os turcos.Em tom mais leve, uma expressão veneziana em uso até hoje diz na testa da bater pai ("uma cabeça boa para bater estacas"). É uma forma descontraída de dizer que alguém é apático ou tem raciocínio lento.As estacas eram imobilizadas o mais fundo possível, até que não pudessem mais ser comprimidas, começando na extremidade externa da estrutura e se movendo em direção ao centro das fundações.Normalmente, eram nove estacas por metro quadrado em formato espiral. As pontas eram serradas para obter uma superfície regular, que ficaria abaixo do nível do mar.Por cima, foram colocadas estruturas de madeira transversais – zatteroni (placas) ou madieri (feixes).No caso dos campanários, estes feixes ou placas tinham espessura de até 50 cm. Para outras construções, as dimensões eram de 20 cm ou até menos.Carvalho era a madeira mais resistente, mas também a mais preciosa. O carvalho, posteriormente, só seria usado para construir navios, pois era valioso demais para ser enterrado na lama.E, sobre a estrutura de madeira, os trabalhadores colocariam as pedras da construção.A República de Veneza logo começou a proteger suas florestas, para fornecer madeira suficiente para construir a cidade e os navios."Veneza inventou a silvicultura", explica Nicola Macchioni, diretor de pesquisa do Instituto de Bioeconomia do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. Silvicultura é a prática de cultivar árvores."O primeiro documento oficial sobre silvicultura na Itália, de fato, é da Magnífica Comunidade do Vale de Fiemme [a noroeste de Veneza], datado de 1111. Ele detalha as regras de exploração da madeira sem causar seu esgotamento."Para Macchioni, estas práticas de conservação já deviam ser empregadas anos antes de serem escritas."Isso explica por que o Vale de Fiemme ainda é coberto por uma exuberante floresta de pinheiros hoje em dia." E, enquanto isso, países como a Inglaterra já enfrentavam escassez de madeira em meados do século 16, explica ele.Veneza não é a única cidade que emprega estacas de madeira nas suas fundações. Mas existem diferenças fundamentais que fazem da cidade italiana um caso único.Amsterdã, na Holanda, é outra cidade construída parcialmente sobre estacas de madeira. Ali e em muitas outras cidades do norte da Europa, elas descem pelo subsolo até encontrarem o leito rochoso, funcionando como longas colunas ou as pernas de uma mesa."O que é ótimo, se a rocha estiver próxima da superfície", explica o professor de arquitetura Thomas Leslie, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Mas, em muitas regiões, o leito rochoso fica muito além do alcance das estacas.Leslie mora nas margens do lago Michigan, nos Estados Unidos. Ali, o leito rochoso pode ficar a até 30 metros abaixo da superfície."Encontrar árvores desta altura é difícil, não? Existem histórias de Chicago nos anos 1880 em que eles tentaram colocar um tronco de árvore em cima do outro, o que, como você pode imaginar, acabou não funcionando. Por fim, eles perceberam que você pode confiar na fricção do solo.""O inteligente sobre isso é que você meio que usa a física", explica Leslie. "A beleza é que você está usando a natureza fluida do solo para fornecer resistência para sustentar as construções."O nome técnico é pressão hidrostática. Ela significa essencialmente que o solo "aperta" as estacas, se muitas delas forem inseridas densamente em um ponto, segundo ele.De fato, é assim que funcionam as estacas venezianas. Elas são curtas demais para atingir o leito rochoso e, em vez disso, mantêm os edifícios em pé graças à fricção. Mas a história desta forma de construção remonta a muito tempo atrás.A técnica foi mencionada pelo engenheiro e arquiteto romano Vitrúvio, do século 1º a.C. Os romanos teriam usado estacas submersas para construir pontes, que também ficam perto da água.A China também construiu portais de água usando estacas de fricção. E os astecas usaram estacas em Tenochtitlán (hoje Cidade do México), antes da chegada dos espanhóis – que destruíram a cidade velha e construíram no mesmo lugar sua catedral católica, destaca Puzrin."Os astecas sabiam construir no seu ambiente muito melhor que os espanhóis, que vieram depois", explica ele. "Agora, eles têm enormes problemas com sua catedral metropolitana", pois seu piso está afundando de forma irregular.Puzrin leciona em um curso de graduação da ETH que investiga falhas geotécnicas famosas."E esta é uma dessas falhas", afirma ele. "A catedral e a Cidade do México como um todo são um museu a céu aberto de tudo o que pode dar errado com as suas fundações."Depois de mais de um milênio e meio na água, as fundações de Veneza se mostraram incrivelmente resistentes. Mas não são imunes à degradação.Dez anos atrás, uma equipe das universidades italianas de Pádua e Veneza (incluindo o departamento florestal e de engenharia até o de patrimônio cultural) investigaram as condições das fundações da cidade, a começar do campanário da Basílica dei Frari, construído em 1440 sobre estacas de amieiro.O campanário afunda 1 mm por ano desde a sua construção, atingindo um total de 60 cm.Em comparação com as igrejas e edifícios, os campanários têm mais peso distribuído sobre uma superfície menor. Por isso, eles afundam mais e com maior rapidez, "como um salto agulha", segundo Macchioni. Ele fez parte da equipe que investigou as fundações da cidade.Caterina Francesca Izzo trabalhava no campo, perfurando, coletando e analisando amostras de madeira do subsolo das igrejas, campanários e das laterais dos canais, que, na época, estavam sendo esvaziados e limpos.Ela declarou que eles precisavam trabalhar com cuidado no fundo dos canais secos, para evitar o esgoto que jorrava esporadicamente dos canos laterais.A equipe descobriu que, em todas as estruturas investigadas, a má notícia era que a madeira estava danificada, mas o sistema formado pela água, madeira e lama mantinha tudo aquilo unido, o que é bom.Os pesquisadores desmentiram a crença comum de que a madeira no subsolo da cidade não se deteriora por ser mantida sem oxigênio, em condições anaeróbicas.Na verdade, as bactérias atacam a madeira, mesmo na ausência de oxigênio. Mas sua ação é muito mais lenta do que a ação dos fungos e insetos, que trabalham na presença de oxigênio.Além disso, a água preenche as células esvaziadas pelas bactérias, o que permite que as estacas de madeira mantenham seu formato. Por isso, mesmo que as estacas de madeira sejam danificadas, o sistema completo de madeira, água e lama é mantido coeso sob intensa pressão, mantendo sua resistência por séculos.
"Existe algo para se preocupar?", questiona Izzo. "Sim e não, mas devemos ainda verificar a continuidade deste tipo de pesquisa."
Desde o trabalho realizado 10 anos atrás, eles não coletaram novas amostras, principalmente devido à logística envolvida.
Macchioni ressalta que não se sabe por quantos séculos as fundações ainda irão durar. "Mas será enquanto o ambiente permanecer inalterado."
"O sistema de fundações funciona porque é feito de madeira, solo e água." O solo cria um ambiente livre de oxigênio, a água também contribui para isso e mantém o formato das células, enquanto a madeira fornece fricção. Sem um destes três elementos, o sistema desaba.
Nos séculos 19 e 20, a madeira foi totalmente substituída por cimento na construção de fundações. Mas, nos últimos anos, uma nova tendência de construção com madeira vem despertando mais interesse, incluindo o aumento dos arranha-céus de madeira.
"É meio que o material da moda, agora, por razões muito boas", comenta Leslie. Afinal, a madeira é um sifão de carbono, biodegradável e, graças à sua flexibilidade, é considerada um dos materiais mais resistentes a terremotos.
"É claro que não podemos construir cidades inteiras de madeira, pois existem muitas no planeta", destaca Macchioni. Mas é inegável que, como os construtores antigos não contavam com motores e materiais artificiais, eles simplesmente precisaram ser mais criativos.
Veneza não é a única cidade com fundações de madeira, mas é "a única [em que a técnica de fricção foi empregada] em massa, continua sobrevivendo hoje em dia e é imensamente bonita", ressalta Puzrin.
"Havia pessoas ali que não estudaram a mecânica do solo e a engenharia geotécnica e, ainda assim, geraram algo que durou tanto tempo e só conseguimos produzir em sonhos. Eles eram engenheiros incríveis e intuitivos, que fizeram exatamente a coisa certa, aproveitando todas estas condições especiais."
O que é História?
Abraham Lincoln (1809-1865) dizia que "se não for verdade, não é História. Porém, é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade.
Existiu um homem que pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho ao seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de 6 milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar, aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de Marcos e reduziu uma hiperinflação, a no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e quando jovem imaginava a seguir a carreira artística. [28174] Você votaria neste homem Adolf Hitler (1889-1945)?
Quantos ou quais eventos são necessários para uma História? Segundo Aluf Alba, arquivista do Arquivo Naciona: o documento, ele começa a ser memória já no seu nascimento, e os documentos que chegam no Arquivo Nacional fazem parte de um processo, político e técnico de escolhas. O que vai virar arquivo histórico, na verdade é um processo político de escolhas, daquilo que vai constituir um acervo que vai ser perene e que vai representar, de alguma forma a História daquela empresa, daquele grupo social e também do Brasil, como é o caso do Arquivo Nacional.
É sempre um processo político de escolha, por isso que é tão importante termos servidores públicos posicionados, de pessoas preparadas para estarem atuando nesse aspecto.
Mary Del Priori, historiadora:
Nós temos leis aqui no Brasil, que são inclusive eu diria bastante rigorosas. Elas não são cumpridas, mas nós temos leis para arquivos municipais, estaduais e arquivos federais, que deveriam ser cobradas pela própria população, para manutenção desses acervos, acervos que estão desaparecendo, como vimos recentemente com o Museu Nacional e agora com a Cinemateca de São Paulo. E no caso dos arquivos municipais, esses são os mais fragilizados, porque eles tem a memória das pequenas cidades e dos seus prefeitos, que muitas vezes fazem queimar ou fazem simplesmente desaparecer a documentação que não os interessa para a sua posteridade. Então esse, eu diria que essa vigilância sobre o nosso passado, sobre o valor dos nossos arquivos, ainda está faltando na nossa população.
Lia Calabre, historiadora:
A memória de Josef Stálin inclusive, ela serve para que não se repitam os mesmos erros, ela serve para que se aprenda e se caminhe. Os processos constantes de apagamento. Existe um depósito obrigatório de documentação que não é feita, na verdade se a gente pensar, desde que a capital foi para Brasília, os documentos não vieram mais para o Arquivo Nacional. [4080]
Quantos registros?
Fernando Henrique Cardoso recupera a memória das mais influentes personalidades da história do país.
Uma das principais obras do barão chama-se "Efemérides Brasileiras". Foi publicada parcialmente em 1891 e mostra o serviço de um artesão. Ele colecionou os acontecimentos de cada dia da nossa história e enquanto viveu atualizou o manuscrito. Vejamos o que aconteceu no dia 8 de julho. Diz ele:
- Em 1691 o padre Samuel Fritz, missionário da província castelhana dos Omáguas, regressa a sua missão, depois de uma detenção de 22 meses na cidade de Belém do Pará (ver 11 de setembro de 1689).
- Em 1706 o rei de Portugal mandou fechar uma tipografia que funcionava no Recife.
- Em 1785 nasceu o pai do Duque de Caxias.
- Em 1827 um tenente repeliu um ataque argentino na Ilha de São Sebastião.
- Em 1869 o general Portinho obriga os paraguaios a abandonar o Piraporaru e atravessa esse rio.
- Em 1875 falece no Rio Grande do Sul o doutor Manuel Pereira da Silva Ubatuba, a quem se deve a preparação do extractum carnis, que se tornou um dos primeiros artigos de exportação daquela parte do Brasil.
Ainda bem que o barão estava morto em 2014 julho que a Alemanha fez seus 7 a 1 contra o Brasil.
(...) Quem já foi ministro das relações exteriores como eu trabalha numa mesa sobre a qual a um pequeno busto do barão. É como se ele continuasse lá vigiando seus sucessores.
Ele enfrentou as questões de fronteiras com habilidade de um advogado e a erudição de um historiador. Ele ganhava nas arbitragens porque de longe o Brasil levava a melhor documentação. Durante o litígio com a Argentina fez com que se localiza-se o mapa de 1749, que mostrava que a documentação adversária estava simplesmente errada.
Esse caso foi arbitrado pelo presidente Cleveland dos Estados Unidos e Rio Branco preparou a defesa do Brasil morando em uma pensão em Nova York. Conforme registrou passou quatro anos sem qualquer ida ao teatro ou a divertimento.
Vitorioso nas questões de fronteiras tornou-se um herói nacional. Poderia desembarcar entre um Rio, coisa que Nabuco provavelmente faria. O barão ouviu a sentença da arbitragem em Washington e quieto tomou o navio de volta para Liverpool. Preferia viver com seus livros e achava-se um desajeitado para a função de ministro.