Bar do Gastão comemora 80 anos com quarta geração da família Fasolin. Por João Maurício da Rosa, em portalporque.com.br
Atualizado em 06/05/2025 01:34:08
• Imagens (1)
•
•
•
Em 1944, quando o empresário Humberto Napoleão Fasolin inaugurou seu negócio de bar, mercearia e bocha, nos altos da Vila Santana, seu filho Humbertinho, então com 11 anos, acabara de concluir o quarto ano na escola e foi escalado para trabalhar no balcão. Já aprendera as quatro operações matemáticas e fazia o troco de cabeça.
“Durante o dia eu fazia entrega das mercadorias, à noite atendia a boemia que vinha das oficinas da Sorocabana (Estrada de Ferro). Eles subiam com tudo que é instrumento e passavam a noite cantando músicas de um cantor chamado Gastão (Formenti), daí veio o apelido”, explica sobre o nome do bar o proprietário, Humberto Fasolin, que completa 91 anos de vida em 29 de março próximo, quando o estabelecimento comemora seu 80º aniversário de fundação.
Batizado inicialmente como Bar e Mercearia Santa Rita, em homenagem à igreja vizinha, em 1952 a casa adquiriu sua primeira mesa de “snooker” profissional e passou a conciliar o jogo de mesa com as duas quadras de bocha, que mais tarde seriam totalmente substituídas pela sinuca. Hoje, a Lanchonete e Snooker Bar do Gastão pode ser considerada o mais antigo bar de Sorocaba, sob comando da bisneta do fundador, Karine Fasolin Lopes, e de seu namorado, Mário Almeida.
“Estamos na quarta geração dos Fasolin administrando o bar. Meu avô sucedeu ao meu bisavô, e eu assumi no lugar de minha mãe, Meire”, explica Karine, que reconfigurou a decoração e o cardápio, servindo desde sanduíches comuns de lanchonetes até comidas tradicionais de boteco, como torresmo, caldo de mocotó e bolinho de bacalhau, além de pratos típicos da cozinha italiana, como “porpetas” e pizzas.
Além disso, Karine investe nas redes sociais e adicionou o serviço de entrega em domicílio – atualmente chamado de “delivery”- por aplicativos. O mesmo serviço que Gastão fazia na adolescência, mas pilotando uma charrete puxada a cavalo que ficava amarrado no quintal da casa.
“A maioria dos fregueses era da Sorocabana e da Santa Rosália (tecelagem). Daqui até a Rua Aparecida eu descia com a charrete cheia para fazer entrega nas casas dos funcionários da Santa Rosália. Não havia rua alguma, só picadas no meio do mato. Os funcionários não pagavam nada na hora, o pagamento era feito pela fábrica e descontado no salário”, lembra Humberto.
Foi na Rua Aparecida que ele conheceu a esposa, Olga Figueiredo, que começou a trabalhar na tecelagem aos 14 anos, mesma idade com que Humberto foi registrado em carteira de trabalho como empregado do negócio do pai. “Parece que era nosso destino se casar, pois quando fomos registrados em carteira, a gente nem se conhecia, mas inverteram nossas datas de nascimento. Eu fui registrado como nascido em 29 de maio, que é aniversário dela, e ela no dia 29 de março, meu aniversário”, lembra.
Aos 21 anos, em 1954, criou coragem e foi buscar Olga na frente do colégio Anchieta, na Rua da Penha, e pediu sua mão. Se casaram em 11 de novembro do mesmo ano, e Olga logo passaria a administrar os negócios ao lado dele, que adicionava novos empreendimentos, o que incluía o turismo, fazendo lotação em uma Kombi até as praias de Mongaguá.
Em 1959, decidiu construir uma quadra de futsal em frente ao bar, na época um terreno baldio que o separava da antiga igreja de Santa Rita. “O terreno era alugado pela igreja para circos, touradas e parques de diversão. Saía um circo, entrava um parque, uma tourada. Eu propus fazer uma quadra que também poderia ser usada para as festas e quermesses da igreja”, relata.
Foi assim que nasceu a Associação Atlética Santa Rita, primeiro time a vencer, em 1960, o campeonato da Liga Sorocabana de Futsal, competição mais tarde chamado de “Cruzeirão”, que chegou a ser considerada a maior do mundo nos anos 1970. Este foi o segundo título conquistado pelo bar e mercearia Santa Rita.
Mas a quadra de futsal autorizada por frei Crescencio, logo foi desautorizada por seu substituto, o frei Marciano, a pretexto de construir uma nova igreja, obra que só seria executada bem mais tarde, por outro pároco, o padre Tadeu.
A obra aproveitou o piso reforçado da quadra, que Gastão construiu com pedras extraídas dos barrancos do hoje nobre Jardim Trujillo, mais cimento e piche que ganhou da Companhia Nacional de Estamparia (Ciane) e da indústria Votorantim.
Entretanto, como para a Santa Rita não existem causas impossíveis, o time nunca ficou desabrigado. Humberto logo adquiriu quatro lotes em um terreno nos fundos da Vila Santana, na Vila Gabriel e, em vez de uma quadra, começou a construção de um ginásio de esportes, que até hoje é um concorrido centro de lazer do bairro, contando com futsal, bar e bocha, uma das últimas canchas ainda em atividade em Sorocaba.
“Começamos o alicerce da quadra no dia de São Pedro (29 de junho) e terminamos em outubro de 1962”, conta Humreto. Para arrecadar recursos, ele criou a figura do sócio remido e buscou apoio financeiro junto ao empresário paulistano Luís Gonzaga Martins Costa, que fazia campanha para deputado federal em Sorocaba (em 1962 aconteceriam as últimas eleições gerais no Brasil antes do golpe militar de 1964).
De acordo com Humberto, o empresário era dono de uma indústria de extrato de tomates e presidia a poderosa CNI (Confederação Nacional das Indústrias). Mas não se elegeu por 20 votos. “Ele nos deu 200 cruzeiros e lhe demos 600 votos. Mas ele doou 2 milhões para um clube de Osasco e teve menos votos lá do que em Sorocaba. Talvez se aplicasse mais aqui tivesse mais votos”, acredita.
Filho de peixe
Não bastasse ser construtor de quadras e campeão de futsal, Humberto também foi construtor de canchas de bocha e campeão do esporte através do Bar e Mercearia Santa Rita. Sua equipe venceu o Campeonato Terceiro Centenário de Bocha promovido pela Prefeitura nas comemorações dos 300 anos do aniversário de Sorocaba, em 1954, mesmo ano de seu casamento com Olga.
“Havia 52 canchas de bocha em Sorocaba, aonde você ia, em qualquer barzinho, tinha gente jogando bocha”, lembra. Com a popularidade alcançada nessa época, mais tarde Humberto passou a ser, também, construtor de canchas em Sorocaba e região, chegando a construir uma para o clube social da Portuguesa de Desportos, no Canindé, em São Paulo..
Ele não apenas construía canchas como inovava, chegando a criar um piso especial à base de cimento e gesso onde as bolas, então de madeira, não pulavam e escorriam como as bolas de boliche atuais. Mais tarde inventou um jogo de bocha que era praticado sobre uma mesa, que teve entre seus jogadores o ex-prefeito Teodoro Mendes.
Embora aposentado, Humberto bate ponto no bar diariamente e passa o dia sentado em uma cadeira na calçada em frente, olhando para a parede lateral da nova igreja de Santa Rita. “Está construída em cima de nossa quadra”, costuma dizer. Sua casa fica no centro da Rua Fosch Baddini, na verdade um quarteirão inteiro de sobrados de propriedade da família, que ele e a esposa foram construindo junto com o patriarca Humberto Napoleão.
“Batizar o primogênito de Humberto se tornou uma tradição. Meu irmão mais velho se chama Humberto Figueiredo Fasolin”, comenta a filha caçula, Marisa Fasolin Gutierre, que é proprietária do Bar Porções, estabelecido há 38 anos na mesma Rua Aparecida onde Humberto conheceu sua mãe.
Ao frequentar o bar mesmo depois de aposentado, ele repete comportamento de seu pai o fundador do negócio, que não arredou pé dali até seu falecimento em 1988, aos 86 anos. Humberto Napoleão, porém, não só vendia bebidas, como também fabricava. “Meu pai era químico de carteirinha”, ele diz, embora Humberto Napoleão nunca tivesse frequentado uma universidade.
“Quando era menino, meu pai trabalhava numa indústria de bebidas em Araçatuba. Quando veio para Sorocaba, começou um negócio de vender mortadela e salame aos pedaços para bares e restaurantes. Ele percorria a cidade de charrete”, conta. Mais tarde, quando a família morava na Vila Angélica, costumavam fazer piquenique em uma área verde onde havia uma fonte de água.
“Um dia meu pai pegou uma amostra da água e mandou fazer análise no Instituto Adolf Lutz. Era água mineral. Passou a envazar em garrafões de cinco litros e vender”. O negócio de água mineral prosperou e logo Humberto Napoleão começou a fabricar vermute, bitter, menta, conhaque de alcatrão e refrigerantes. As bebidas eram produzidas, engarrafadas e distribuídas para bares de Sorocaba e região com rótulo da Bebidas Santa Angélica.
“Foi com os recursos da fábrica que meu pai adquiriu este quarteirão e começou os novos negócios”, informa Humberto, sentado em uma espécie de escritório instalado no corredor de acesso à sua residência.
Aos sábados, antes da neta Karine chegar com Mário para abrir o bar, ele se reúne com uma turma de amigos que o acompanham desde sempre, todos de cabeça branca, alguns com a calvície reluzindo ao sol e outros esnobando cabelos ornamentados com rabo de cavalo.
Nestes dias de sol escaldante, as cadeiras saem da calçada e ficam no escritório, com apenas uma parede separando a residência do bar. Os amigos se despedem, com a chegada da reportagem, para que Gastão possa ser entrevistado. Uma hora depois, Karine e Mário chegam carregando sacolas de feira para abastecer a cozinha da lanchonete.
Pergunto se posso ir, pois Humberto, com mobilidade reduzida, não ficará mais sozinho. Ele se levanta e começa a exercitar-se com um peso de academia, como a provar que ainda é ativo. Esqueci-me de perguntar, quando foi que Olga o deixou? “Vai fazer três anos, ela partiu em 7 de julho de 2021, no meio da pandemia”, ele responde e os olhos começam a marejar.
Foram 67 anos de namoro e casamento. “Foi dona Olga foi quem administrou as construções e por muitos anos tocou sozinha uma loja que fornecia de tudo o que o povo de Vila Santana precisava”, recorda-se Marisa, dirigindo seu carro pela rua Bartolomeu Gusmão, uma das principais vias do antigo matagal do Além Linha, hoje denominado Vila Santana.